Sem participação social: criado há dois anos por Paulo Câmara, Comitê de Convivência com a Estiagem nunca se reuniu

Por Laércio Portela (Marco Zero Conteúdo)*

Lançado com pompa e circunstância pelo governador Paulo Câmara (PSB) em solenidade no Palácio do Campo das Princesas, em 11 de março de 2015, na presença de autoridades locais e da então ministra Teresa Campelo (Desenvolvimento Social), o Comitê Estadual de Convivência com a Estiagem está próximo de completar dois anos de existência sem nunca ter realizado uma reunião.

A situação é ainda mais grave quando consideramos que Pernambuco entra em 2017 no sexto ano da mais intensa e extensa seca das últimas décadas. Nada menos do que 125 municípios, do total de 184, decretaram estado de emergência. Os reservatórios estão secos. As obras das adutoras que poderiam minimizar os danos da estiagem nas regiões mais atingidas, atrasadas.

Falta água para a agricultura e o cuidado com os animais. O abastecimento para o consumo humano é precário em vastas áreas do semiárido pernambucano – e nordestino -, especialmente no Agreste.

Dados divulgados pela Compesa (empresa estadual de saneamento) dão conta de que a seca está afetando a vida de 1,1 milhão de pernambucanos. Pelo menos 300 mil pessoas são abastecidas apenas por meio de carros-pipa. Em comunidades rurais mais afastadas, a água potável está sendo garantida pela ação do Exército. Nas áreas urbanas, ela é um produto raro e caro.

Compromisso ficou no papel

A assinatura do decreto 41.535 pelo governador Paulo Câmara, há dois anos, gerou uma expectativa positiva dos movimentos sociais. Criado em 2012 pelo então governador Eduardo Campos (PSB), o Comitê de Convivência com a Estiagem passava agora a ter caráter permanente e a incluir na sua formação representantes de entidades da sociedade civil.

Soou como o reconhecimento pelo Governo do Estado da situação gravíssima vivida com a seca em Pernambuco e da necessidade de levar em conta a experiência de organizações civis que atuam há décadas no apoio técnico, jurídico e político aos trabalhadores rurais e às populações mais vulneráveis do Agreste e do Sertão.

Mas o que parecia uma iniciativa louvável para ampliar o diálogo com entidades que vivem o dia a dia das populações mais afetadas pela longa estiagem e que, portanto, poderiam contribuir de forma mais efetiva para a formulação e avaliação das políticas públicas, na verdade ficou apenas na promessa. O Comitê, na prática, inexiste. Em 22 meses, nunca se reuniu.

É o que garantem os representantes da sociedade civil ouvidos pela Marco Zero Conteúdo e que têm assento no Comitê.

Sem participação social

Coordenador do Centro Sabiá e da ASA-Pernambuco (Articulação no Semiárido), o biólogo Alexandre Pires diz que a postura do Governo compromete a qualidade e a transparência das políticas públicas para a região. “Estamos falando de entidades que atuam há décadas com o público-alvo das políticas de convivência com a estiagem. Quando o Estado não nos chama para o diálogo há um prejuízo de natureza política muito grave. Ele não assegura o direito de participação social”.

A ASA é uma rede que congrega organizações civis das mais diversas naturezas (sindicatos, associações, cooperativas de trabalhadores, ONGs) num trabalho permanente de incentivo e apoio a práticas de desenvolvimento sustentável e convivência com o semiárido. Neste último caso, as ações estão pautadas na cultura do estoque de água, alimentos, sementes e animais. E nos preceitos da agroecologia; economia popular e solidária; educação contextualizada; e segurança alimentar e nutricional.

A ASA está organizada nos dez estados que compõem o semiárido brasileiro (MG, BA, SE, AL, PB, PE, RN, CE, PI e MA). Em Pernambuco, são 18 organizações – entre cooperativas de trabalhadores, movimentos sociais, sindicatos e entidades ligadas à Igreja Católica – atuando em todos os municípios do semiárido do estado.

Alexandre relata que esteve com o secretário de Agricultura e Reforma Agrária de Pernambuco, Nilton Mota, no último dia 20 de dezembro e cobrou dele a convocação da primeira reunião do Comitê de Convivência com a Estiagem. Cabe à Secretaria a coordenação do grupo, segundo decreto assinado por Paulo Câmara.

Nilton, que é deputado estadual licenciado em primeiro mandato pelo PSB, teria dito que convocaria os integrantes do comitê para a reunião na semana seguinte. Um mês se passou e nada do encontro.

Menos fiscalização, mais desvios

Para Alexandre, a falta de espaço de fiscalização da sociedade civil só vai reforçar os desvios históricos dos recursos aplicados para minimizar os efeitos da seca no Nordeste. “Por décadas, enfrentamos no semiárido a destinação de recursos públicos para atender interesses econômicos de agentes políticos da região, alimentando a indústria da seca. Sem participação social, eles estão omitindo da sociedade para onde estão sendo destinados esses recursos”.

O biólogo faz um alerta para a falta de transparência. “O Estado tem a prerrogativa de aplicar as verbas, tem os estudos e as análises, sabemos disso. Mas a política e os critérios têm que ser claros e discutidos com a sociedade. Sabemos que na maior parte das vezes os recursos atendem a interesses político-eleitorais ao invés de serem dirigidos em benefício da população”.

*Continue lendo a reportagem no site da Marco Zero Conteúdo: http://marcozero.org/sem-participacao-social-criado-ha-dois-anos-por-paulo-camara-comite-de-convivencia-com-a-estiagem-nunca-se-reuniu/ 

 

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