Trabalhadores do campo e da cidade: quem recebe o auxílio emergencial?

Foto: Ana Mendes / Acervo do Centro Sabiá

Trabalhadores do campo e da cidade: quem recebe o auxílio emergencial?

Nesta entrevista que marca o Dia do Trabalhador, o Centro Sabiá conversou com Jaqueline Natal, economista do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), sobre o auxílio emergencial disponibilizado aos trabalhadores e trabalhadoras como subsídio do governo federal como garantia de renda durante o período de isolamento social, em tempos de pandemia do novo Covid-19. O DIEESE é uma entidade criada e mantida pelo movimento sindical dos trabalhadores e trabalhadoras do Brasil, fundada em 1955 com o objetivo de desenvolver pesquisas que subsidiassem as demandas de trabalhadores que buscavam melhorar suas condições salariais e percebiam que todo o conhecimento desenvolvido na sociedade era feito sob o interesse da classe patronal. Confira:

Centro Sabiá: O que é o auxílio emergencial e para que ele serve?

Jaqueline Natal: O Senado aprovou no dia 30 de março o PL 9236/2017, que institui uma renda básica emergencial para proteger a população mais vulnerável dos efeitos econômicos da pandemia do coronavírus. Bem, antes de dizer exatamente o que que é essa renda básica emergencial, é importante ressaltar que desde a tramitação na Câmara dos Deputados até a sua aprovação final no Senado, foram extremamente importantes as negociações entre os diversos segmentos da sociedade civil, entre os parlamentares das diversas bancadas, a pressão da sociedade civil, em especial do movimento sindical para que o projeto tramitasse de forma bastante acelerada e também que os valores explorados inicialmente pelo projeto do Poder Executivo, pelo Ministério da Economia, fosse elevado de R$ 200 para R$ 600.

Mas o que que é essa renda emergencial? O PL institui um benefício emergencial de R$ 600 mensais durante três meses, podendo ser prorrogado por mais tempo, para pessoas maiores de 18 anos de idade que já estão inscritos ou não no CADÚnico, para pessoas trabalhadores informais, microempreendedores, domésticos sem carteiras de trabalho assinada, desempregados que não estejam recebendo seguro desemprego, idosos e pessoas vulneráveis que não estejam recebendo nenhum tipo de benefício assistencial previdenciário. É importante ressaltar também que no último dia 22 de abril, o Senado aprovou um projeto de lei ampliando esse público beneficiário para os segmentos ligados à produção agrícola ou produção rural. Ou seja, foram incluídos nas categorias que seriam beneficiadas pela renda emergencial trabalhadores da agricultura familiar, da pesca artesanal, técnicos agrícolas, dentre outros. Então, esse auxílio atinge pessoas do campo e da cidade, visa garantir uma renda básica para as pessoas que, nesse momento de necessidade, de resguardo, de isolamento social, essas pessoas percam sua renda ou sua capacidade de trabalhar e gerar renda, né? Permite que as pessoas possam se resguardar com o mínimo de segurança alimentar, até que as autoridades sanitárias orientem o fim desse isolamento e se retorne a algum tipo e normalidade do ponto de vista do trabalho.

Centro Sabiá: Quem tem direito de receber o auxílio emergencial? Quais as regras de participação desse programa?

Jaqueline Natal: Para ter direito ao auxílio emergencial, a pessoa tem que ter mais de 18 anos, não ter emprego formal, ou seja, emprego com carteira de trabalho assinada ou emprego público estatutário comissionado, militar ou ser empregador. Não devem estar recebendo o BPC, Loas ou aposentadoria ou pensão do INSS do governo do estado ou do município. Também não podem estar recebendo o seguro-desemprego ou o seguro-defeso. Os beneficiados do Bolsa Família podem requerer o auxílio, contanto que eles cumpram todos esses requisitos. Também há um recorte de renda exigido. A família tem que ter uma renda mensal per capta, por pessoa da família, de até meio salário mínimo, ou seja R$ 522,50, ou ter uma renda familiar mensal de até três salários mínimos, R$ 3.135, e aí não se inclui o valor do Bolsa Família que, por ventura, a família receba. Também é preciso não ter recebido rendimentos tributáveis, ou seja declarado imposto de renda em 2018, acima de R$ 28.559,70. Têm direito ainda os microempreendedores individuais, os MEI, o contribuidor individual do regime geral da previdência social, trabalhadores informais, sejam empregados, autônomos ou desempregados de qualquer natureza, inclusive intermitente, inativos no cadastro único dos programas do Governo Federal, o CADÚnico, e inclui ainda os agricultores familiares, aquicultores, pescadores artesanais, marisqueiros, catadores de caranguejo, técnicos agrícolas, dentre outros. Também é importante lembrar que o benefício é limitado a duas pessoas por domicílio, sendo que tanto homens quantos mulheres chefes de domicílio poderão receber até duas cotas, ou seja, o valor de R$ 1200. 

Centro Sabiá: E o que essas pessoas devem fazer para poder receber o auxílio? Qual o passo a passo do programa?

Jaqueline Natal: Para aquelas pessoas que atendem às regras de pagamento do auxílio e que estão cadastradas no CADÚnico ou recebem o Bolsa Família, elas receberão o benefício automaticamente sem precisarem realizar nenhum outro tipo de cadastro. Para aquelas pessoas que não estão inscritas no CADÚnico, elas devem realizar um cadastro pelo site da CAIXA, o auxilio.caixa.gov.br ou então baixar o aplicativo CAIXA/auxílio emergencial e realizar o seu cadastro, seguindo os passos que são orientados lá no respectivo programa. A partir da realização desse cadastro de forma correta, esse cadastro vai ser analisado e as pessoas vão receber a resposta de aprovação ou não aprovação. Não sendo aprovado, elas podem refazer ou recorrer da não aprovação, e aí verificar as datas… as condições e datas de pagamento, segundo a data de aniversário de cada pessoa que requisitou.

Centro Sabiá: Atravessamos essa data do Dia do Trabalhador com o desemprego atingindo 12,3 milhões de brasileiros e brasileiros, um aumento 479 mil em comparação com o trimestre de novembro. Como você avalia essa situação atual do Brasil? Para além do novo Coronavírus, você acredita que o governo federal tem negligenciado o trabalhador e a trabalhadora brasileira?

Jaqueline Natal: De fato, a pandemia escancarou essas inequidades do sistema capitalista e a forma como a sociedade e a economia vinham se organizando até então. A contaminação se espalhou rapidamente pelo mundo, mudou rapidamente a rotina de bilhões e bilhões de pessoas, no espaço do consumo, no espaço do trabalho, nas relações pessoais. Paralisou cadeias produtivas e fluxos comerciais e serviços no mundo inteiro. Hoje, é interessante que mesmo que as pessoas tenham dinheiro, elas não têm como consumir produtos e serviços com a mesma facilidade do período anterior à contaminação. Na verdade, a pandemia ela coloca em xeque o projeto liberal que vinha em curso no mundo, que vinha desmontando o estado de bem-estar social. 

No Brasil, o cenário é muito difícil. Somos um país historicamente marcado pela desigualdade social e concentração de renda. Mesmo os melhores momentos da nossa história econômica essa situação não se reverte, ela apenas ameniza. Avançamos muito em conquistas sociais num determinado momento onde a democracia se fortalece e logo no período seguinte nós somos golpeados. Vêm retrocessos sob a forma de regimes autoritários, desemprego e a precarização do trabalho. A pandemia ela chegou no Brasil num momento em que nós vemos em curso, desde 2017, um projeto de desmonte dos direitos sociais assegurados pela Constituição. Também estudos da Prefeitura de São Paulo mostram que a taxa de mortalidade nos bairros mais pobres é até 10 vezes mais pobres do que os bairros mais ricos… para aquelas pessoas que têm entre 40 e 44 anos e que pretos têm 62% mais chance de morrer em decorrência do Covid. Ou seja, o coronavírus ele mostra claramente que vai sofrer mais com a contaminação. Não é uma doença pura e simples, é um tapa na cara da sociedade que funciona baseada na estratificação social, num sistema que se sustenta em cima da concentração de renda e da produção e reprodução da pobreza e da miséria.

Centro Sabiá: Apesar de muito necessário e que muitas famílias dependem desse auxílio emergencial, há muitos atrasos nos resultados da inscrição do auxílio, deixando muitas pessoas em uma real situação de vulnerabilidade. Dito isso, eu pergunto: será que esse auxílio emergencial é suficiente para suprir as necessidades da população mais pobre do Brasil?

Jaqueline Natal: Nós entendemos que o auxílio emergencial foi uma medida fundamental que curto prazo para amenizar os efeitos da pandemia e o necessário isolamento social. Bem… mas há problemas, né? Além do tempo de vigência ser muito reduzido, o valor aprovado ficou aquém do inicialmente reivindicado pelas centrais sindicais, que inicialmente solicitaram, reivindicaram um auxílio de um salário mínimo sem limites pro número de pessoas nas famílias que teriam direito a esse benefício. É uma medida necessária, mas ela é insuficiente. Quanto à precariedade da sua operacionalização, na realidade ela expõe o desmonta dos agentes em empresas públicas executando políticas de enfrentamento da pandemia. A dificuldade que as pessoas estão tendo em acessar o benefício demonstra que precisamos continuar pressionando o governo tanto para cumprir a medida aprovada quanto para expandir as medidas de proteção ao conjunto da população. Bem em linha com a ampliação da terceirização e a reforma trabalhista aprovadas nos anos anteriores, as medidas adotadas pelo atual governo para o enfrentamento dos efeitos da pandemia sobre o mercado de trabalho e sobre a economia busca atender muito mais o interesse do empresariado do que dos trabalhadores. 

 

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