Vandana Shiva: “Não queremos que a nossa vida seja controlada pelas grandes corporações”
Foto: Daniel Lamir/Arquivo ASAcom
Na palestra de abertura da 5ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, a ativista indiana falou para milhares de pessoas sobre a lógica que domina a cadeia de alimentos no mundo.
Por Daniel Lamir e Verônica Pragana (Assessoria de Comunicação da ASA Brasil)
Reconhecida em todo o mundo pela defesa das sementes como patrimônio da humanidade e pela luta contra as grandes corporações da indústria alimentícia – segundo ela, foi vitoriosa em todas as disputas na Índia – a ativista e física Vandana Shiva era um dos nomes mais aguardados pelos participantes da 5ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, que vai até sexta-feira que vem (6), em Brasília.
Depois dos discursos oficiais de abertura da Conferência – da presidenta Dilma Rousseff, da ministra do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Tereza Campello, e da presidente do Conselho Nacional de Segurança Alimentar (Consea), Maria Emília Pacheco – Vandana Shiva subiu ao palco e iniciou sua fala com críticas severas às grandes corporações que dominam o mercado alimentício. “Já tivemos os períodos coloniais na história e, hoje, vivemos uma colonização das comidas”, assegurou.
No decorrer da palestra, Vandana ressaltou a importância da Conferência não só para o Brasil : “É importante para o mundo. Nossos alimentos estão sendo corrompidos e precisamos de momentos como este”.
Realizada a cada quatro anos, a Conferência Nacional de SAN é um espaço estratégico para discussão de políticas públicas que ampliam o acesso à alimentação saudável no Brasil. O país vivencia um período paradoxal com relação ao padrão alimentar: deixou de fazer parte do mapa da fome no mundo e entrou no mapa da obesidade. O evento reúne cerca de duas mil delegados e deve atrair um público volante de três mil pessoas nos seus quatro dias (3 a 6/11).
A seguir, compartilhamos trechos da fala de Vandana sobre as intenções das grandes corporações escondidas por trás de seus discursos, o processamento dos alimentos como uma das causas das doenças contemporâneas, transgenia, sementes crioulas e agroecologia, que segundo Vandana “não oferece só o alimento, oferece saúde por hectare” . Confira!
As grandes corporações, processamento de alimentos e doenças
Hoje a única razão que sustenta as grandes corporações do setor são os royalties.
As grandes corporações sempre mentiram com o argumento de preocupar-se em acabar com a fome e oferecer alimentos ricos em nutrientes. A cultura das grandes corporações surge com as grandes guerras mundiais, em contexto de destruição. Assim como ficou evidente na Guerra do Vietnã, a comida é utilizada como arma.
Eu briguei com a Monsanto porque eles queriam patentear o trigo na Índia. Lutamos contra essa pirataria e ganhamos todas as vezes contra essas indústrias.
As grandes corporações estão roubando a alimentação humana, estão modificando os nutrientes das comidas que sempre foram cultivadas nas comunidades. O trigo em si não causa a alergia. O problema surgiu com os procedimentos das grandes corporações com a manipulação na plantação.
Com o crescimento do agronegócio, cada vez mais eles controlam a nossa alimentação, que não estão preocupados com a nossa saúde. Quando adoecemos, eles lucram também. Eles são donos da mesma rede de corporações que vende o alimento que faz adoecer e que [também] vende o remédio depois.
A cultura das empresas é de não se incomodar com as sementes limpas, a biodiversidade e se as pessoas estão morrendo. Para a Monsanto, ao chegar na Índia, toda a variedade forma do trigo, canela e milho tinha que ser exterminada. Mas estes eram alimentos para o povo.
Os novos alimentos são fontes de doenças por conta dos vários processamentos. Cada cultura possui seu próprio óleo de cozinha e adoçante. E que, antes das grandes corporações, não existiam esses malefícios que vemos hoje com a saúde.
Na Índia, o açúcar era feito apenas com a fervura da cana. Ele não trazia esses malefícios que vemos no açúcar atual. O açúcar de hoje é venenoso, principalmente pela adição de xarope de milho. A Coca-Cola, por exemplo, enricou bastante com esta substância. Para ela era mais barato fabricar com este tipo de açúcar. Ela explica que o crescimento do consumo de xarope de milho vem aumentando. Em 1985, existiam entre 30 a 35 milhões de pessoas com diabetes. Hoje são entre 300 a 350 milhões.
Não gosto do termo “estilo de vida” para este cenário. Uma pessoa seria muito boba em escolher este tipo de vida sabendo que está se matando. O que há é imposição. Já tivemos os períodos coloniais na história e, hoje, vivemos uma ‘colonização das comidas’.
Não queremos que a nossa vida seja controlada pelas grandes corporações. A etapa seguinte deles é para criminalizar a nossa liberdade.
Agrotóxicos e transgenia
Na Índia aconteceu um acidente na área da transgenia que ainda afeta a vida das pessoas. Muitas pessoas nascem deformadas, ainda hoje, em decorrência deste tipo de agricultura.
A monocultura e os insumos químicos andam sempre de mãos dadas.
Matar insetos não é o caminho. Cada inseto no mundo está cooperando.
Em meados de 1965/66 tivemos a revolução verde na Índia. Em 1984, [ocorreu] um incêndio causado pelo modelo de agricultura que não queremos. Pouco depois tivemos problemas com a mosca branca. Essa razão fez olharmos para a agricultura de uma forma diferente.
Sementes crioulas
Alimentos verdadeiros só podem ser feitos com sementes de verdade.
As sementes limpas são mais resistentes que as sementes transgênicas. Qualquer chuvinha e elas já estão germinando. Elas também são nutritivas, diversas e resilientes.
Começamos [na Índia] com 120 comunidades com bancos de sementes. Elas se estabeleceram porque resistiram a todas as leis que eram contrárias, claro, num contexto tendencioso.
Há muita propaganda dizendo que as nossas sementes são primitivas. Isso é um racismo na alimentação. Ao mesmo tempo, 70% dos alimentos que comemos são da agricultura camponesa.
Terra e agroecologia
A agricultura camponesa [com] as sementes limpas poderiam geram 400 vezes mais alimentos. A questão é que não existe terra suficiente para quem produz de forma limpa. A agroecologia baseada na diversidade produz mais alimentos.
A Índia poderia alimentar duas Índias se produzisse comidas saudáveis. O Brasil poderia alimentar dois Brasis se produzisse comidas saudáveis.
Na nossa atuação com a agroecologia não oferecemos só o alimento. Oferecemos saúde por hectare. Os alimentos com químicos são tóxicos e vazios de nutrientes. Eles estão adicionando coisas que nunca foram alimentos para nós. Portanto, nos oferece um alimento falso.
Que bom ter você por aqui…
Nós, do Centro Sabiá, desde 1993 promovemos a agricultura familiar nos princípios da agroecologia. Nossa missão é "plantar mais vida para um mundo melhor, desenvolvendo a agricultura familiar agroecológica e a cidadania". Seu apoio através de uma doação permite a continuidade do programa Comida de Verdade Transforma e outras ações solidárias e inovadoras junto ao trabalho com crianças, jovens, mulheres e homens na agricultura familiar.