Reestruturação da Zona da Mata de Pernambuco em Pauta
Em conversa com O Canto do Sabiá, Doriel Barros, presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Pernambuco (Fetape), analisa a necessidade dos governos olharem para a Zona da Mata pernambucana. Ele alerta para o modelo de desenvolvimento da região que prioriza os grandes empreendimentos como Suape, deixando trabalhadores e trabalhadoras rurais desassistidas. A Fetape, junto com diversos movimentos sociais do estado, elaborou um documento com propostas a serem implementadas na região para melhorar as condições de vida, nos seus diversos aspectos, da classe trabalhadora do campo da Zona da Mata.
por Nathália D’Emery
O Canto do Sabiá: A Zona da Mata pernambucana passa por um forte processo de mudanças em sua estrutura. Como você contextualiza a situação atual da região e que balanço pode ser feito do atual modelo de desenvolvimento que está sendo colocado em prática?
Doriel Barros: Estamos falando de uma região que tem grandes potenciais, com um grande número de empreendimentos e projetos. Uma área bastante rica, mas que tem muitas contradições, como um grande número de trabalhadores rurais que não tem uma condição de vida digna, que não consegue participar e ter uma renda que possa assegurar uma condição de vida melhor. Estamos agora num processo de fechamento de usinas desta região, com aumento do desemprego dos assalariados rurais. Mas também é uma região com muito potencial do ponto de vista da agricultura familiar, onde temos o maior número de assentamentos e, portanto, uma grande capacidade de produção de alimentos. Infelizmente não temos os investimentos e as ações do governo potencializando a agricultura familiar na região. Também temos um processo de envenenamento das nossas terras, com o uso de agrotóxicos fortes, desde muito tempo e que hoje colocam a região numa série de problemas na questão ambiental. Por conta destas dificuldades, é que as organizações estão se movimentando e se articulando para que possamos pautar de forma muito clara os governos do Estado e Federal, porque a Zona da Mata não é só Suape e a Fiat. Ela tem trabalhadores que precisam ser considerados nos investimentos que vêm sendo feitos na região. O Centro Sabiá, a Fetape e outras organizações estão se mobilizando com o objetivo de poder mudar um pouco o processo de reestruturação que vem em curso e que de certa forma vem excluindo os trabalhadores rurais.
OCS: O governo fala em “desenvolvimento”, mas não em qual tipo de desenvolvimento ou voltado para quem. O que vemos é algo que envolve grandes indústrias e empresas para a região e que deixa grande parcela da população à margem deste processo.
DB: Claro. Tivemos há pouco tempo a presença do Papa Francisco no país, e eu acompanhei uma entrevista onde ele falava sobre este modelo capitalista que exclui muita gente. Vivenciamos isso aqui em Pernambuco, onde há um descarte de um número muito grande de trabalhadores, porque eles não têm qualificação ou já não conseguem ter condições de trabalho. Temos a convicção de que é necessário um processo de qualificação e formação desses trabalhadores, porque muitos eram assalariados e passaram a ser agricultores familiares. Existe também um processo cultural muito grande na Zona da Mata em relação à cana-de-açúcar, então um processo de qualificação dessas famílias precisa ser desenvolvido urgentemente. Precisamos ter uma ação de Estado para que possamos potencializar a região a partir do número de trabalhadores que vivem nos assentamentos e que podem, por exemplo, produzir alimentos para abastecer os empreendimentos que estão instalados na região.
OCS: Doriel, é necessário também que toda a sociedade entenda – não só quem está ligado aos movimentos e organizações – o que está por trás deste modelo de desenvolvimento proposto para a Zona da Mata pernambucana. Entender que é algo que vai além da proposta de geração de emprego como é passada pelo governo. Como o assunto será levado para discussão com toda a sociedade?
DB: Queremos trazer a sociedade para este debate, para esta compreensão política da importância que tem a permanência dos trabalhadores no campo e produzindo. Para isso, a sociedade precisa ter este conhecimento sobre os impactos dos grandes empreendimentos e sobre o grande número de agricultores dessa região, que tem um potencial muito grande do ponto de vista de produção. Pautar não só as organizações, mas pautar a sociedade sobre a necessidade de se ter um governo implementando um conjunto de ações de políticas públicas. Nós, organizações, por exemplo, defendemos um processo de reforma agrária amplo e massivo como um instrumento para mudar a realidade deste país. Estamos falando de uma região que tem um grande número de assentamentos, mas que pode produzir mais. A sociedade pode se questionar o porquê de não se estar produzindo se foi feito o processo de distribuição da terra para os agricultores. O que temos debatido é que a reforma agrária não é só o acesso à terra, mas sim um conjunto de ações e políticas públicas que precisam estar presentes, como crédito e infraestrutura. Isso não vem acontecendo e é por isso que a região tem esta dificuldade de produção. Por isso, queremos que a sociedade venha conosco nesta luta. Todo esse processo está aberto, como também para a academia e para a Igreja. Queremos juntar forças, fazer um debate político e fazer as cobranças de forma articulada aos governos. Estamos juntos na construção de um estado de Pernambuco cada vez mais decente e que veja os agricultores como protagonistas.
*No último dia 12 de agosto, na Sede do Sindicato dos Bancários, no Recife, foi apresentado à sociedade e entregue aos governos e ao Poder Legislativo, nos níveis municipais, estadual e federal, um documento com 85 propostas para uma contraposição ao modelo de desenvolvimento vigente na Zona da Mata pernambucana. Saiba mais sobre o assunto acessando aqui: http://www.centrosabia.org.br/index.php/destaque/72-documento-com-diretrizes-para-a-reestruturacao-socioprodutiva-da-zona-da-mata-sera-apresentado-e-entregue-na-proxima-segunda-feira-12
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