Agroecologia: desafios, avanços e identidades entre Brasil e Haiti
Para comemorar os 20 anos do Centro Sabiá, o Dois Dedos de Prosa intensificou o debate sobre a soberania e segurança alimentar e nutricional trazendo para o centro da conversa as experiências agroecológicas vivenciadas em outros países, como Angola e Haiti. Nesta entrevista, conheça um pouco da experiência vivida hoje pelo assessor da Misereor para Agroecologia no Haiti, Kurt Habermeier. Ele também fala sobre o trabalho que desenvolveu no Brasil no campo da agroeocologia, nos anos 80 e 90.
por Kalinne Medeiros (assessoria Centro Sabiá)
O Canto do Sabiá: Qual a avaliação que você faz desses 20 anos de história e construção do Centro Sabiá?
Kurt Habermeier: Vivi os quatros primeiros anos do Centro Sabiá, sobretudo o trabalho em Bom Jardim, em Serra Talhada e Triunfo. Os primeiros agricultores ainda estão por lá, com os filhos e novas gerações surgindo. O Centro Sabiá deu continuidade e expandiu esse trabalho.
OCS: A agroecologia é a solução para a soberania e segurança alimentar?
KH: A agroeocologia é a alternativa. Uma agricultura sustentável que pode alimentar a humanidade e preservar o planeta. Hoje a agroeocologia está presente em todos os países, mas ainda é um caminho muito longo.
OCS: O agronegócio acaba prevalecendo?
KH: Sim. Quem controla as sementes controla a alimentação da humanidade. As espécies desenvolvidas pelos camponeses , há milhares de anos, estão desaparecendo.
OCS: O que o Brasil e o Haiti têm de semelhanças no tocante à agroecologia?
KH: Quando a gente pensa em Brasil e Haiti, primeiro pensa em diferenças, contrastes. São países muito diferentes geograficamente e no modelo de agricultura. Haiti é um país onde quase não há agronegócio. Houve tentativa, mas nunca deu certo. É um país de produção camponesa.
OCS: Como é o desafio da agroecologia no Haiti?
KH: Trata-se de um país pequeno com uma crise ecológica muito forte, com uma grande densidade populacional. O meio ambiente foi muito degradado por desmatamento, erosão, processos de desertificação. Ainda por cima é um país de montanhas. E quando se fala em cobertura vegetal, não há mais vida. A agroeocologia começa a recuperar rapidamente essas áreas. Uma região que não produzia, começa a produzir. O primeiro grande desafio é sempre a recuperação do solo. A agroecologia no Haiti é um movimento que começou pequeno, há 20 anos, e que agora está se desenvolvendo muito. É todo um sistema que inclui a criação de gado, a questão das sementes, a transformação, o beneficiamento da produção, a comercialização. Apesar das dificuldades políticas e comerciais do Haiti, o processo do movimento agroecológico é um sucesso.
OCS: Há investimento público?
KH: Quase nada. O que funciona mesmo é a cooperação internacional. São milhares de ONGs trabalhando no Haiti.
OCS: E os desafios no Brasil?
KH: Conheço pouco a situação do Brasil nos últimos anos. Ainda não é possível dizer se a importância que o governo dá aos pequenos produtores é uma coisa compensatória ou uma política de soberania alimentar.
OCS: Qual o país que você considera mais desenvolvido na questão da agroecologia?
KH: As situações nos países são muito diferentes. Mas o processo em Cuba é muito interessante. Cuba tinha uma agricultura industrial muito avançada, principalmente, com a monocultura da cana. Havia grandes propriedades e um alto grau de mecanização. Existia mais trator por hectare de terra em Cuba do que nos Estados Unidos. Além de investir em um modelo totalmente dependente da importação de insumos. Mas a resistência dos camponeses salvou o país. Eles sabiam preparar a terra, tinham sementes, mão de obra qualificada. Então houve um renascimento da agricultura camponesa em Cuba, com uma produção diversificada para atender o mercado interno e os camponeses constituem parte da população que vive muito bem naquele país.
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