Áreas e números de conflitos no campo no Brasil são documentados pela CPT

Os números relacionados aos conflitos no campo no país estão disponíveis em relatório anual da Comissão Pastoral da Terra

conflitos no campo 2Documento está disponível para leitura no site da CPT / Foto: Reprodução

Por Sara Brito (Centro Sabiá)

No Brasil, a grande mídia permanece sendo a mídia dos grandes. Embates, movimentos e lutas que efervescem por todos os cantos do país não são evidenciados por esse modelo de mídia e, por isso, não chegam para a maioria da população. Grande parte dos brasileiros não sabe, por exemplo, que, no ano de 2013, foram registrados no Brasil 1.266 conflitos no campo, que juntos envolveram 573.118 pessoas.

Esses são dados identificados pelo estudo publicado anualmente pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), o relatório Conflitos no Campo Brasil. A publicação se destaca não só pelo detalhamento e mapeamento dos conflitos no campo no país, mas também pelo seu poder de voz e de trazer à tona a realidade de embates de outra maneira invisíveis. “Acreditamos que o relatório consolidou-se, ao longo de sua história, como um forte instrumento de denúncia da violência praticada pelo latifúndio, pelos grandes projetos de desenvolvimento, pelo agronegócio e pelo próprio Estado, contra os povos no campo em todo o país,” diz Renata Albuquerque, do setor de documentação e comunicação da CPT.

Os dados coletados e organizados pela CPT são publicados anualmente em forma de relatório desde 1985 e são catalogados em conflitos por terra, conflitos pela água, conflitos trabalhistas, conflitos em tempos de seca e conflitos em áreas de garimpo. O documento é enriquecido pela presença de textos sobre o tema, gerais e específicos, escritos por professores, integrantes da CPT e outros pensadores.

Segundo o relatório, em 2013 registraram-se 847 áreas de conflito no Brasil. Entre os estados com altos índices de intensidade de conflitos estão Amapá, Acre, Tocantins, Rondônia, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Roraima, Pernambuco, Paraíba e Mato Grosso do Sul. O documento ainda revela que a violência é marcadamente protagonizada pelo poder privado, com 86,7% dos conflitos praticados pela ação direta de empresários, fazendeiros, grileiros, madeireiros e mineradoras. Os conflitos ganham em intensidade nas áreas para onde o capital avança, sobretudo a Amazônia.

O Nordeste é a região com maior incidência de conflitos pela água, com 43,26% dos casos levantados. Já em Pernambuco, foram registrados 65 conflitos em geral, envolvendo 11.547 famílias e 57.735 pessoas. Destes, 59 foram conflitos por terras, que envolveram 10.665 pessoas.

Os povos tradicionais são alvos da maioria das mortes nos conflitos. Em 2013, do total de vítimas fatais nos conflitos, 61,3% pertencem a grupos/classes sociais/etnias caracterizados como Populações Tradicionais. Os povos indígenas estão entre os mais ameaçados: 15 dos 34 assassinatos registrados são de indígenas. São também indígenas 10 das 15 vítimas de tentativas de assassinato, e 33 das 241 pessoas ameaçadas de morte. Em nenhum outro período da publicação se tem registro semelhante.

No entanto, para Anna Maria Gallazzi, agente da CPT no Amapá e autora de um dos textos da publicação, os números são mais complexos do que fazem ver à primeira vista. Como ela lembra em seu texto: “Números parecem tão áridos, tão ‘limpos’, assépticos. Não mostram a poeira, a destruição das casas, as telhas, tábuas e tijolos quebrados. Não permitem ver roças e colheitas destruídas, o trabalho de anos pisoteados pelas rodas e as esteiras implacáveis dos tratores e nem mostram as matas seculares destruídas rapidamente por motosseras que rasgam os troncos e os ouvidos. (…) Números não são somente números. Eles trazem o estampido das balas, o cheiro do sangue que se espalha no chão encharcando a poeira, com sua cor escura. O cheiro do sangue, do suor, do medo que cobre os corpos abatidos pela violência, corpos dilacerados, feridos, estropiados.”

Os números não são totais e nem dão conta de todo o sofrimento, mas com certeza nos servem de guia e alerta para a realidade que nos cerca e não é documentada pelos grandes meios de comunicação. “A publicação cumpre um papel fundamental para o fortalecimento das lutas dos povos do campo no país. Consideramos ser um forte instrumento pedagógico porque, ao registrarmos cuidadosamente os conflitos agrários, as organizações sociais e os povos do campo podem analisar e refletir sobre esta realidade de violência que cotidianamente atinge milhares de famílias camponesas. Assim, podemos compreender melhor nossa realidade para atuarmos no sentido de transformá-la,” conclui Renata Albuquerque.

Leia o relatório Conflitos no Campo Brasil 2013 na íntegra no site da CPT clicando no link: http://bit.ly/RHaZOj


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