A partir do Projeto PTA surgiam o Centro Sabiá e a Agrofloresta em Pernambuco
O Centro Sabiá faz 21 anos de muito trabalho com a agricultura familiar e a Agrofloresta em Pernambuco completa 20 anos. Para contar essa história, o professor e sócio fundador do Centro Sabiá, Marcos Figueiredo, conversou conosco sobre o começo de tudo.
Agricultor agroflorestal Jones Pereira na sua propriedade, Síito São João, na comunidade de Inhamã, em Abreu e Lima
Por Wellington Gouveia (técnico do Centro Sabiá)
Começamos este resgate histórico com a pergunta: o que motiva as pessoas a querer mudar a ordem das coisas? Para um grupo de estudantes recém-formados na universidade, os acontecimentos da década de 80, principalmente no que se refere à agricultura familiar, foram suficientes para se apostar em mudanças na base produtiva de alimentos, o que naquela época já era algo revolucionário.
O uso de agrotóxicos, o formato da assistência técnica, enfim, o pacote tecnológico que era ditado para a agricultura brasileira, mobilizou várias organizações não governamentais. Uma delas foi a Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE), que promoveu o Projeto de Tecnologia Alternativa (PTA), em 1983, articulando instituições de diversos estados do Brasil e provocando-as a buscar enfrentar o modelo de desenvolvimento da Revolução Verde. Partindo da ideia de que o modelo da Revolução Verde não servia para a realidade brasileira, para os ecossistemas e para a população rural – era nocivo ao meio-ambiente – e que devia-se resgatar os conhecimentos dos camponeses para a construção de uma alternativa social e ecológica adaptada a essa realidade que se tornaria um outro modelo de desenvolvimento.
A proposta era identificar, resgatar e revalorizar os conjuntos de conhecimentos tradicionais dos camponeses, chamados de tecnologias alternativas, para a implantação de modelos de desenvolvimentos alternativos à Revolução Verde. Foi um longo trabalho de sistematização de experiências de agricultores no estado de Pernambuco apoiados pelo PTA, que na ocasião funcionava no Centro de Estudos e Pesquisas Josué de Castro. Este trabalho começou em 15 de agosto de 1985 e teve início com o hoje Professor da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) Marcos Figueiredo, com a missão de realizar estas atividades em três estados: Pernambuco, Paraíba e Alagoas.
O movimento pelo enfretamento à Revolução Verde começou a crescer e ganhar corpo em todo o país. A demanda dos agricultores e agricultoras pela assessoria cresceu. “Isso só fez aumentar na gente a confiança e a crença de que era possível construir saídas para a crise a partir de uma parceria com as organizações dos camponeses e camponesas. Isso foi evoluindo e nós fomos investindo pesadamente na sistematização de experiências camponesas. Falo no plural porque agora já éramos seis técnicos dentro do Projeto Tecnologias Alternativas”, relembra o professor Marcos Figueiredo.
Com toda essa bagagem proporcionada pelas inúmeras sistematizações realizadas, os conhecimentos foram evoluindo dentro da equipe, e as concepções e visões de mundo foram mudando, passando para uma perspectiva menos tecnicista e mais holística, mais baseada na integração do homem com o ambiente, a partir da percepção do que os camponeses faziam. Desta forma, a ideia de trabalhar com tecnologias alternativas foi se transformando e o desafio agora era mais amplo: trabalhar com a ideia de sistemas de uma forma mais integrada do homem com a natureza. Pensar não só a produção, mas pensar a relação do sistema social com o sistema ecológico. Pensar a cultura como o elemento norteador da construção de agroecossistemas sustentáveis.
Toda essa mudança que vinha surgindo levou a equipe a repensar a forma de atuação junto aos camponeses, ao mesmo tempo em que foi tomada uma importante decisão. Em função da unidade da equipe do PTA (Projeto de Tecnologia Alternativo), a saída do Centro Josué de Castro para a criação o Centro Sabiá. Foi um movimento de transição em duas dimensões. Houve uma congruência entre a transição na concepção de trabalho e ao mesmo tempo uma transição institucional. “Estávamos convictos de que, enquanto equipe, tínhamos um espaço político para ser ocupado junto aos camponeses e suas organizações. E isso nos motivou a construir uma instituição autônoma, independente. Esse processo foi também lento, bastante difícil”, explica o professor Marcos.
O professor Marcos Fiqueiredo fez parte da equipe do Projeto Tecnologia Alternativo, ainda no Centro Josué de Castro / Foto: Wellington Gouveia
Em 1992 foi criado o Centro de Desenvolvimento Agroecológico Sabiá, mas só em 1993 aconteceu o total desligamento do Josué de Castro. Em 1994 foi construído um planejamento estratégico que fomentou um rico diálogo na equipe, um processo de reflexão que permitiu a visualização de uma estratégia de atuação institucional que deu muita segurança para todos e todas. Através deste planejamento é que se começou a pensar em trabalhar com os Sistemas Agroflorestais.
A Agrofloresta
Como trabalhar com os sistemas agroflorestais sem ter experiência? Para ajudar a responder esta pergunta a equipe e sócios do Centro Sabiá convidaram um agricultor e pesquisador suíço que morava no sul da Bahia e já vinha desenvolvendo pesquisa com sistemas agroflorestais, Ernest Gostch.
“E isso, para nós que tivemos uma formação na universidade de ciências agrárias de modo muito tecnicista, teve um impacto muito grande porque era uma possibilidade de desenvolver um estilo de agricultura sustentável. De uma integração do homem com a natureza, valorizando o recurso que ele tinha. Porque de alguma forma e de um modo muito claro rechaçava, recusava os elementos da modernização agrícola, da Revolução Verde. O desenvolvimento teria que ser alcançado a partir dos recursos endógenos (internos), do potencial endógeno que existe em toda comunidade, da energia”, afirma Marcos Figueiredo.
Nesse período de transição foram realizadas varias atividades práticas dentro das propriedades dos agricultores, nos municípios de Abreu e Lima e Bom Jardim. Todos os diálogos construídos entre agricultores, técnicos e o Ernest foram elementos importantes para a mobilização e construção de uma agricultura sustentável no estado de Pernambuco.
Os primeiros camponeses que se envolveram nas experiências agroflorestais desenvolveram de uma forma extremamente pioneira, a partir dos seus conhecimentos e dos conhecimentos do Ernest. A constituição das primeiras agroflorestas foram recheadas de muitas dúvidas, de muitas incertezas, como explica o professor Marcos. “Nós cometemos muitos erros e foi a partir desses erros que nós aprendemos mais, sistematizamos mais e passamos a ter os sistemas agroflorestais como uma referência de desenvolvimento local a partir do potencial endógeno que cada agroecossistema tem. Ou seja, os recursos naturais que existem em cada lugar e da força social que cada família tem para ser protagonista do seu processo de inserção na vida social e política de sua comunidade. Foi isso que foi sendo construído, de uma forma lenta e gradual, fazendo com que os primeiros resultados fossem extremamente animadores”, diz ele.
A vegetação e o solo se recuperando, o aumento da biodiversidade, o aumento da autoestima das famílias. Tudo isso gerou uma autoconfiança muito grande para a equipe do Centro Sabiá, que passaram a não ter mais dúvidas: o caminho era esse! Trabalhar na diversidade.
Hoje, os princípios dos sistemas agroflorestais se estenderam para as três regiões do Estado de Pernambuco onde o Centro Sabiá atua: o Agreste, o Sertão e a Zona da Mata.
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Nós, do Centro Sabiá, desde 1993 promovemos a agricultura familiar nos princípios da agroecologia. Nossa missão é "plantar mais vida para um mundo melhor, desenvolvendo a agricultura familiar agroecológica e a cidadania". Seu apoio através de uma doação permite a continuidade do programa Comida de Verdade Transforma e outras ações solidárias e inovadoras junto ao trabalho com crianças, jovens, mulheres e homens na agricultura familiar.