Entrevista: “A agroecologia é mais que um conceito, é um modelo de produção”

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O dirigente nacional do MST, João Pedro Stédille, esteve presente da Jornada Povos de Pernambuco: Diversidade, Território e Soberania Alimentar, que aconteceu nos dias 15 e 16 de outubro, na UFRPE, e conversou com O Canto do Sabiá sobre agroecologia, reforma agrária e o Dia Mundial da Alimentação.

Por Alex Carvalho (Centro Sabiá)

Nos dias 15 e 16 de outubro, a Universidade Federal Rural de Pernambuco recebeu a Jornada do Ano Internacional da Agricultura Familiar, Camponesa e Indígena, com o encontro Povos de Pernambuco: Diversidade, Território e Soberania Alimentar. O principal objetivo do evento foi reunir diversos povos para discutir e compartilhar as distintas expressões da agricultura familiar e camponesa no estado de Pernambuco. O evento foi realizado nesse período em comemoração ao Dia Mundial da Alimentação, dia 16 de outubro, data criada com a intenção de promover uma reflexão séria sobre a alimentação a nível mundial e, principalmente, sobre o problema da fome no mundo. Um dos convidados do evento foi João Pedro Stédille, economista e ativista social. Stédille também é um dos líderes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o MST. Durante sua passagem pelo evento, O Canto do Sabiá conversou um pouco com ele sobre agroecologia, reforma agrária e o Dia Mundial da Alimentação.

Canto do Sabiá – O Brasil recentemente saiu do mapa da fome mundial. Para você, qual é a importância dessa conquista?

João Pedro Stédille – Nós (o MST) temos uma diferença política e teórica com o atual Governo. Mas reconhecemos que os 12 anos de governo do PT foram muito importantes para o povo brasileiro, os presidentes Lula e Dilma incorporaram nas políticas públicas o preceito da segurança alimentar, que significa que todo brasileiro tem direito a se alimentar. E o estado, então, através de políticas públicas garante que o povo não passe fome. Isso nós conquistamos. Porém, como movimento social, nós queremos ir mais além: queremos defender o preceito da soberania alimentar, que significa que todos os cidadãos brasileiros, todas as comunidades rurais, todos os estados e regiões, têm que ter políticas que garantam que o povo consiga produzir seus próprios alimentos e que não dependam mais do governo. Uma política propositiva que caminha rumo à soberania alimentar, por exemplo, é a compra antecipada de alimentos, do PNAE [Programa Nacional de Alimentação Escolar], que garante alimentos sadios na merenda escolar, que rompe com o monopólio que as multinacionais tinham em vender para aos prefeitos produtos industrializados que não tinham nada de nutritivo. Ou seja, o PNAE obriga as prefeituras a comprarem alimentos produzidos por agricultores familiares no próprio município. E programas com essa finalidade devem ser investidos, que universalizem a soberania alimentar.

CS – Qual a importância da agroecologia na produção de alimentos e na vida do povo camponês na atualidade?

JPS – A agroecologia é mais que um conceito. Ela é um modelo de produção. E hoje em todo o mundo, na América Latina e no Brasil, e em Pernambuco disputam dois modelos de agricultura: o modelo do capital e outro o modelo do trabalhador. O modelo do capital é o modelo do agronegócio, é o modelo de tudo transformar em lucro, deles só produzirem o que der lucro. É de mercantilizar as atividades da agricultura. No modelo do camponês, do agricultor familiar, a agricultura tem que ser vista de outra forma. Ela tem que ser vista com a sua missão civilizatória, de usar os recursos naturais, os bens naturais da terra e da água, do vento, do sol para produzir alimentos sadios. Só é possível produzir esses alimentos saudáveis com a natureza se você usa um conjunto de técnicas em equilíbrio com esses bens naturais, o que nós na academia chamamos de agroecologia. Na prática muitos agricultores já vêm implantando a agroecologia, embora não saibam, ou não dêem esse nome. Então, divulgar e praticar a agroecologia é uma necessidade desse modelo dos trabalhadores para nós conseguirmos produzir alimentos saudáveis e nos contrapormos a essa lógica burra, estúpida e gananciosa daqueles que querem produzir na agricultura apenas para ter lucro.

CS – Qual a relação entre agroecologia e a reforma agrária?

JPS – No inicio, quando surgiu o MST, há trinta anos, nós tínhamos muitas ilusões, nós achávamos que bastava lutar por terra e tendo terra para trabalhar os camponeses poderiam sair da pobreza e progredir com a sua família. Então era uma pequena ilusão de achar que só com terra você iria ficar rico. Com o passar do tempo e com o debate nas Universidades e na sociedade nós fomos incorporando no nosso programa de reforma agrária a idéia de que não basta só terra, de que é preciso ter outros fatores para a libertação das pessoas. Um deles é educação, o conhecimento. E o outro é a agroecologia, ou seja, a agroecologia como essa matriz tecnológica, como esse conjunto de técnicas que te permite aumentar a produtividade do trabalho, aumentar a produtividade da área física em que você está trabalhando, porém em equilíbrio com a natureza. E sem o uso de venenos, porque os venenos matam: matam o meio ambiente e matam as pessoas. Então hoje no nosso programa agrário é impossível desassociar a proposta de reforma agrária com a agroecologia. Ou seja, a reforma agrária só cumprirá o seu objetivo de libertar as pessoas da exploração e de fazer com que elas saiam da pobreza, se esses agricultores e agricultoras ao receberem a terra puderem praticar também essa nova matriz de produção que é a agroecologia.

CS – O que o senhor acha da realização de eventos como esse, que destacam e enaltecem conceitos como a alimentação saudável e a soberania alimentar?

JPS – Estou muito feliz de estar aqui. Agradeço o convite, de ter o privilégio de conviver com os movimentos sociais aqui de Pernambuco. Felicito os coordenadores aqui da UFRPE e os demais movimentos que também coordenaram. E eu acho que a realização do evento é fundamental, porque nós temos que aproveitar todos os espaços e construir essa sinergia que mistura conhecimentos científicos, práticas sociais, vontades políticas de mudanças. E nada melhor do que aproveitar o dia 16 de outubro, que é o dia mundial da alimentação, que foi inclusive resultado do pensamento de um grande pernambucano que foi Josué de Castro. Ele foi gestor e primeiro diretor geral da FAO, que é o organismo das Nações Unidas para a fome, para a agricultura, para a alimentação. Mais tarde, na década de 70, homenageando Josué de Castro, a FAO, então, decidiu por ter no dia 16 de outubro essa comemoração. E além de tudo isso, o que mais me alegra é o fato dos pernambucanos aproveitarem esse dia para nós aqui fazermos uma celebração das idéias e dos ideais de termos um dia uma agricultura que produza com agroecologia e que garanta alimentos saudáveis para toda a população mundial.


Que bom ter você por aqui…

Nós, do Centro Sabiá, desde 1993 promovemos a agricultura familiar nos princípios da agroecologia. Nossa missão é "plantar mais vida para um mundo melhor, desenvolvendo a agricultura familiar agroecológica e a cidadania". Seu apoio através de uma doação permite a continuidade do programa Comida de Verdade Transforma e outras ações solidárias e inovadoras junto ao trabalho com crianças, jovens, mulheres e homens na agricultura familiar.

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