No Brasil o racismo é naturalizado
“Espelho Meu”, arte de Domingos Sávio que representa a
imposição do padrão às mulheres negras
O dia 20 de novembro nos lembra da Consciência Negra, que temos que insistir em levar adiante, principalmente em dias de tão fáceis comentários racistas e tão fáceis mortes
Por Sara Brito (Centro Sabiá)
Todo dia 20 de novembro é comemorado o Dia Nacional da Consciência Negra. A data foi escolhida por coincidir com o dia da morte de Zumbi dos Palmares, em 1695, e lembra a resistência do negro à escravidão de forma geral. Nos dias atuais a escravidão assume muitas formas, algumas delas veladas. Os negros e negras brasileiros/as enfrentam preconceitos diários e representações impostas e perpetuadas pela mídia. Um país que foi fundado na escravidão e que só a aboliu legalmente há 126 anos inegavelmente apresenta resquícios de seu passado.
O racismo está presente no cotidiano das pessoas. Nos jogos de futebol, na escola, nos restaurantes, nos shoppings, em qualquer lugar de convívio social. E atualmente se faz mais explícito através da internet e das redes sociais. Comentários de pessoas que tratam o problema com naturalidade, insistindo na tecla de que “foi só uma brincadeira” e piadas de comediantes que se defendem atrás da liberdade de expressão.
O racismo entra nas casas das pessoas também pela televisão, campeã de popularidade no país: de acordo com a Pesquisa Brasileira de Mídia 2014 – Hábitos de Consumo de Mídia pela População Brasileira, 65% dos brasileiros assistem diariamente à televisão. Na última edição do Teleton, do SBT, Sílvio Santos, considerado um dos maiores comunicadores do país, fez comentário racista sobre os cabelos da atriz negra Júlia Oliver, de apenas 11 anos. Internautas saíram em sua defesa dizendo que foi “apenas uma brincadeira”.
A minissérie da Rede Globo “Sexo e as Negas” acumula várias denúncias na Secretaria Especial da Promoção da Igualdade Racial (Seppir). As denúncias condenam a maneira como o programa retrata as mulheres negras, contribuindo com os estigmas atribuídos historicamente a elas, como, por exemplo, o de “mercadoria sexual”. “’Sexo e as Nega’ é só mais um capítulo do desserviço permanente prestado pela emissora ao povo negro”, disse Douglas Belchior, membro da Uneafro, em artigo na Carta Capital. A série perpetua o conceito de democracia racial no Brasil, o que não é novidade para a Rede Globo, que já há anos coloca negras em papéis de empregadas ou sexualizadas, ou ainda empregadas sexualizadas, que fazem as vezes de escravas modernas à serviço de seus senhores. Mesmo a primeira novela da emissora a ter um romance inter-racial como tema principal e uma protagonista negra recebeu o título sugestivo de “Da Cor do Pecado”.
Mas uma das maiores vitrines do persistente racismo no Brasil é a violência. Os dados apresentados no 8º Anuário Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) divulgado nesta terça-feira (11) pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública confirmam a cor negra como preferência da morte. Das vítimas fatais do ano passado, 36.479 eram negras, o que corresponde a 68% do total. Ainda segundo o FBSP, do total de encarcerados os negros correspondem a 61,7%.
Até o sistema de segurança pública, no Brasil, tem carta branca da sociedade para matar negros e pobres. Os números do Anuário são claros: em 2013 ao menos 11.197 homicídios foram cometidos por policiais no país. Apenas a nível de comparação, a polícia estadunidense, que não deixa de ser racista, registrou 11.090 homicídios em 30 anos.
Vera Lucia dos Santos, negra, lembra, no filme À Queima Roupa, da noite em que chegou em casa e encontrou os corpos de seu pai, sua mãe, cinco irmãos e a cunhada, mortos por policiais ao chegarem em casa do culto evangélico. Em agosto de 1993, 21 moradores do bairro de Vigário Geral, no Rio de Janeiro, foram assassinados por policiais que se sentiram no direito de vingança pela morte de 4 soldados, executados por traficantes no dia anterior. A chacina de Vigário Geral é apenas um caso, entre tantos outros, de mortes em massa de negros pobres, que a maioria das pessoas nem se lembra, ou faz questão de esquecer. Porque é mais confortável pensar que está tudo bem, que não existe mais preconceito, que vivemos em uma sociedade igualitária, do que encarar a realidade e ver que o racismo ainda persiste e que está na mão de todos e todas nós combatê-lo.
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