Novo Marco Legal da Biodiversidade nega direitos aos povos tradicionais

IMG-20150520-WA0008                 Banco de dados sobre sementes ciroulas poderá ficar vulnerável à exploração das empresas dos setores farmacêutico, cosmético e agronegócio.
                                                                                                               

Por Débora Britto (Centro Sabiá)

No último dia 20 de maio, o Projeto de Lei (PL) 7735/2014 foi sancionado pela presidenta da República Dilma Rousseff (PT) sob protestos. O PL se apresenta como o novo Marco Legal da Biodiversidade, mas seu conteúdo, o processo de elaboração e aprovação foram marcados por denúncias de restrição à participação popular e pedidos de veto assinados por mais de 150 movimentos, entidades e organizações não governamentais.

O projeto define regras para o acesso ao patrimônio genético nacional, para proteção e acesso ao conhecimento tradicional associado e sobre a repartição de benefícios gerados a partir do uso dos conhecimentos tradicionais.

No entanto, o PL chegou a ser chamado de Lei da Biopirataria devido ao conteúdo que favorece muito o setor empresarial e nega direitos às comunidades tradicionais que detém e são portadoras dos conhecimentos tradicionais explorados pela indústria farmacêutica, cosmética e do agronegócio.

Para Maitê Moroñas, assessora da Coordenação Projeto Sementes do Semiárido, apesar de o projeto levantar a bandeira da desburocratização, o conteúdo da Lei desburocratiza o acesso apenas das empresas. “Não era um projeto de lei para desburocratizar para os povos tradicionais. É o PL do capitalismo verde”, dispara.

Ela observa que do texto original do projeto e o que foi sancionado pela Presidência houve alguns sucessos, mas no geral o novo Marco Legal da Biodiversidade é um retrocesso. De 9 vetos sugeridos na Carta dos movimentos sociais e entidades enviada à presidenta, apenas 3 foram acatadas. Além destes, outros 3 artigos foram vetados.

Parte do conteúdo e as mudanças propostas pelo novo marco ignoram conquistas históricas e dão margem à deterioração de dinâmicas da vida e soberania dos povos tradicionais, entre eles os/as agricultores/as familiares. Na versão original, o texto trazia o termo “agricultores tradicionais” e, após críticas, incluiu o conceito de agricultura familiar; o mesmo para o termo “povos” por “população” ao tratar de povos indígenas; entre outros.

Sementes crioulas do semiárido

De acordo com Maitê, alguns artigos que seriam um problema para o Programa Sementes do Semiárido, da Articulação Semiárido (ASA), que irá construir, até 2016, 600 bancos de sementes crioulas no território, beneficiando 12 mil famílias. Segundo ela, ainda há muitas dúvidas quanto à repercussão disso para as famílias agriculturas que trabalham com sementes crioulas pois dependem, principalmente, da regulamentação da lei. É o caso do Art. 9◦, que discorre sobre a não necessidade de autorização prévia para acesso aos conhecimentos tradicionais de origem conhecida, ou seja, aqueles em que se sabe a quem são os provedores.

Uma vez que a construção de bancos de sementes implicará a produção de um banco de dados sobre as sementes crioulas este conhecimento gerado pelos agricultores e comunidades tradicionais também estará vulnerável à exploração das empresas ligadas ao setor de farmacêutico e de cosméticos. “O Programa Sementes vai gerar uma série de conhecimentos sobre as sementes crioulas. Ninguém mais do que as grandes empresas vão querer aproveitar esse conhecimento produzido”, explica Moroñas.

Outro ponto crítico citado por diversos movimentos sociais e ambientais envolvidos na questão é a repartição dos benefícios gerados a partir da exploração dos conhecimentos tradicionais. Os provedores dos conhecimentos têm direito a apenas 1% do soma gerada em cima do produto final. “Mesmo com o aspecto bastante capitalista não podemos dizer que essa porcentagem é justa para os povos tradicionais”, critica Moroñas.

No entanto, Maitê lembra que os movimentos sociais já estão se articulando para monitorar e tentar interferir no processo de regulamentação da Lei, momento que será decisivo para garantir que os direitos dos povos tradicionais sobre os conhecimentos produzidos por eles sejam respeitados. A partir da sanção, o Congresso tem 180 dias para regular. No âmbito da Articulação Nacional de Agroecologia, o GT de Biodiversidade está articulado com a Frente nacional camponesa e de comunidades tradicionais.

Linha do tempo

24/06/2014 – PL 7735/2014 é apresentado, pelo Poder Executivo em regime de urgência à Câmera Federal.
27/02/2015 – Carta aberta dos Povos Indígenas, Povos e Comunidades Tradicionais e os Agricultores Familiares do Brasil em repúdio ao PL.
05/05/2015 – Diversas organizações protocolaram no dia 5 de maio uma carta endereçada à Presidenta da República, Dilma Rousseff, pedindo o veto ao Projeto de Lei nº. 7735/2014.
14/05/2014 – Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) 14/05) envia exposição de motivos à presidenta Dilma Rousseff pedindo vetos a nove itens do Projeto de Lei (PL) 7735/2014.
27/04/2015 – Aprovação no Congresso Nacional.
20/05/2015 – Sanção do PL pela Presidência da República.
21/05/2015 – Publicação de seis vetos da presidenta Dilma Rousseff de seis pontos da lei que institui o novo Marco Legal da Biodiversidade.
De 20/05/2015 a 16/11/2015 – Prazo para regulamentação da Lei Ordinária 13123/2015.

Leia mais informações sobre o tema aqui e aqui.

 


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