Conhecimento tradicional como estratégia para desenvolvimento social, ecológico e cultural

ARTIGO

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Por Nilma Carvalho*

Vivenciamos uma intensa crise socioambiental nos dias atuais, que nos leva a repensar a relação ser humano e sociedade. Esta intricada relação é mediada pela cultura, uma vez que esta estabelece e determina a ação humana dentro do ambiente.

Ao longo do seu processo evolutivo os povos e comunidades tradicionais vêm convivendo e se desenvolvendo de forma sustentável, preservando o meio ambiente e adquirindo minucioso conhecimento e domínio de sua diversidade biológica e ecológica, e esta relação interativa com a natureza permitiu-lhes conhecer e criar técnicas específicas de manejo dos diversos ecossistemas, uma vez que dependem das boas condições deste para a sobrevivência em suas atividades socioculturais.

Por se encontrar fortemente vinculado à essência do conhecimento, os saberes tradicionais são fontes de informações para modelos que visam promover a sustentabilidade dos ecossistemas. Para isso, faz-se necessário o diálogo entre os saberes tradicionais e científicos, enfatizando a importância da associação desses saberes para a contribuição da busca de novos rumos para uma sociedade sustentável. Tais saberes são importantes ferramentas para a conservação da sociobiodiversidade cultural.

Importante salientar que neste contexto tradição é entendida como algo em movimento, uma vez que é resignificada a cada geração e se adapta a novas condições, sem perder seus valores fundamentais. Este saber é cumulativo, ou seja, são produzidos por sucessivas gerações; é empírico, por ser construído pela experiência diária, como também é dinâmico, uma vez que se modificam em função das transformações sócio-econômicas, políticas e espaciais.

O antropólogo Guillermo Foladori (2001) acredita que essa crise “problematiza os paradigmas estabelecidos do conhecimento e demanda novas metodologias capazes de orientar um processo de reconstrução do saber que permita realizar uma análise integrada da realidade”.

Atendendo a necessidade de se buscar novos rumos de produção com bases ecológicas, que priorize a qualidade e manutenção dos ecossistemas e garantam a sociobiodiversidade das comunidades que interage com esses ambientes, surge a agroecologia se propondo a gerar conhecimentos e métodos inovadores e estratégias de recontextualização entre conhecimentos acumulados ao longo do tempo e a geração de novos conhecimentos e assim, apresentar bases para a modificação dos sistemas de produção que causam degradação social e ecológica, por meio do desenho ou redesenho de sistemas, dentro do conceito da sustentabilidade.

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Traz-se para luz da questão, o conhecimento tradicional indígena como importante ferramenta de conservação para manutenção dos sistemas de produção de bases ecológicas como estratégia de reverter, manter e se adaptar frente aos impactos socioambientais e culturais, uma vez que esses conhecimentos secularmente repassados à seus descendentes, tem permitido que estes produzam e se reproduzam até os dias atuais, e isso os tornam exímios conhecedores de sua flora, conferindo-lhes a capacidade de dominar e desenvolver tecnologias eficientes e apropriadas na extração, utilização e manutenção de seus bens naturais, como por exemplo, o conhecimento, uso e manejo de suas plantas medicinais, práticas fundamentais para preservação de seus bens materiais e imateriais, como também para a sociobiodiversidade do planeta.

Acredita-se que as práticas culturais estabelecidas pelas sociedades tradicionais contribuem para a construção de uma nova ordem econômica, fundada no respeito à diversidade cultural e na capacidade limitada dos ecossistemas, visando promover alternativas de sustentabilidade socioambiental pautada nas relações sociais emanadas dos princípios solidários e amorosos para com a Mãe Natureza.

Referências:
CASTRO, Edna. Território, Biodiversidade e Saberes de População Tradicionais. In: CUNHA, Manuela Carneiro da e ALMEIDA, Mauro. Enciclopédia da floresta. São Paulo: Companhia das letras, 2002.

FOLADORi, G. Limites do Desenvolvimento sustentável. São Paulo; Unicamp, 2001

*Trabalhou como técnica em projeto ATER (Assessoria Técnica e Extensão Rural) Indígena executado pelo Centro Sabiá através de apoio do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) e Fundação Nacional do índio (Funai) em áreas de referência do GATI (Gestão Ambiental em Terras Indígenas). Saiba mais sobre o projeto aqui e aqui.


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