Plantas medicinais em SAFs: cura e harmonia que vem da terra
Foto: Acervo Centro Sabiá
Por Débora Britto (Centro Sabiá)
Chambá. Canela. Jenipapo. Cana da Índia. Louro. Capim santo. Hortelã “da folha miúda” e da folha grande. “Você sabe que todos os remédios vêm de plantas medicinais, não é? Tudo isso eu sei da vida”, diz a agricultora agroflorestal Lindinalva Maria Assis da Silva, mais conhecida como Dona Lina.
As plantas medicinais são mais numerosas e comuns do que podemos imaginar. O conhecimento sobre suas propriedades, modos de preparo e uso não são novidade nas culturas de quem lida com a terra e vive dela. A passagem desses conhecimentos tradicionais, no entanto, sofrem com a passagem do tempo e o afastamento das pessoas dos saberes dos pais e avós.
Como vive no Assentamento Amaraji, em Rio Formoso, na Mata Sul de Pernambuco, Dona Linda conta como no meio rural, distante das cidades, aprender os usos e para que servem as plantas foi natural. No ecossistema da Mata Atlântica, ela conta, até as espécies que se usam apenas para produzir alimentos tem propriedades medicinais que poucos conhecem. É o caso do “leite” da banana prata e a folha da manga espada. “A folha de manga espada serve de remédio para os animais quando estão com verme. Já quando a gente corta a banana prata, o leite dela que sai a gente usa para um monte de coisa que você nem imagina!”, exclama Dona Linda.
A herança dos saberes e conhecimentos sobre as plantas é uma riqueza que Lenir Pereira, também agricultora agroflorestal, faz questão de valorizar. No seu sítio em Abreu e Lima, na região metropolitana do Recife, tem sempre próximo à casa a hortelã, chambá, colônia, capim santo, manjericão, alecrim. Segundo ela, a adaptação ao Sistema Agroflorestal (SAF) foi fácil.
Os SAFs são sistemas de produção que imitam a natureza, onde plantas nativas, frutíferas e culturas de ciclos médios e curtos convivem em harmonia. Uma possibilidade para a agricultura familiar de base agroecológica é o plantio de plantas medicinais que venham a contribuir também com a geração de renda para a família. No entanto, há quem duvide do desenvolvimento dessas plantas nos SAFs.
Estudo realizada em Minas Gerais, no entanto, traz evidências e apontamentos sobre o cultivo de plantas medicinais em sistemas agroflorestais. O trabalho, disponível aqui, aponta a necessidade de investimento em mais estudos que subsidiem e se somem aos conhecimentos tradicionais para valorizar a o conhecimento dos agricultores e agricultoras. Ele traz, ainda, a importância da aliança entre “políticas públicas e o saber tradicional” para desenvolver esse segmento e gerar renda a partir de produtos e medicamentos naturais produzidos pela agricultura familiar.
Dona Maria, de Bom Jardim, mostra as ervas e produtos medicinais que produz a partir do seu SAF. Foto: Vladia Lima/Acervo Centro Sabiá
Conhecimento para dar e vender
Dona Lenir, que comercializa nos Espaços Agroecológicos das Graças e de Boa Viagem, conta que já no começo da feira, há quase 18 anos, ela levou o lambedor e desde então é um sucesso com a clientela. “Eu lembro que eu fiz uns quatro vidrinhos e na outra semana as clientes chegaram dizendo ‘olhe quem salvou meu filho’. Aí eu comecei a levar e graças a Deus ele é bem famoso”, conta com orgulho.
A receita que aprendeu com a mãe ela alterou, adicionou outras espécies e própolis e hoje é a vez dos netos e netas serem medicados pela avó. Além deles, muitas outras pessoas usam os conhecimentos de Dona Lenir para ajudar a tratar de tosses, resfriados e dores de garganta. A receita não tem mistério: hortelã, xambá, jenipapo e própolis.
Para Dona Lenir, o segredo está no jeito e em quem faz. “É feito pelas nossas mãos. Então é assim que a gente faz com muito amor, muito prazer e acho que isso até repassa para a função de cura porque quando a gente faz com amor, com carinho a gente tá passando aquilo ali para o remédio. Vai ser uma cura melhor, mais rápida”, explica.
Nos sistemas agroflorestais a presença de plantas medicinais funciona como uma vida de mão dupla: tanto ajudam o desenvolvimento do sistema como encontram elementos para se desenvolverem com saúde. As agricultoras Lenir Pereira e Dona Linda podem atestar.
O agricultor agroflorestal Amadeu Petroni também defende a reprodução de conhecimentos sobre as plantas medicinais e sobre as propriedades curativas de alimentos que não costumam ser lembrados como medicinais. Por esse motivo, ele começou uma brincadeira que compartilha com quase de 800 pessoas no grupo chamado “Agrofloresteiros orgânicos” em uma rede social. A cada semana, publica uma descrição resumida de propriedades e usos de ervas, legumes e frutas encontradas e facilmente reproduzidas nos ecossistemas brasileiros.
Como em um glossário virtual, ele segue a ordem alfabética e ainda está na letra c. De tudo que há em seu SAF, ele estuda e procura conhecer no que ajuda em nossa saúde. “Busco em sites, tipo Embrapa ou algumas coisas que foram estudadas realmente. A gente tem que buscar informações em dois, três, cinco lugares e aí eu vou tentando colocar em palavras mais simples, algo mais reduzido”, explica o agricultor.
Já foram Alho, Acelga, Ameixa, Brócolis, Banana, Camonila, Café e tantos outros. Na feira onde comercializa, ele vende sucos com as ervas e plantas. “As pessoas vão em busca de uma melhor qualidade de vida sem que você tome remédio alopático”, diz Amadeu e garante que a procura é grande.
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