Nilza volta do Recife e cisternas ajudam na sua conquista de qualidade de vida
Por Eduardo Amorim
Uma das histórias mais tocantes do cinema brasileiro nos últimos anos é marcada por uma decisão de uma empregada doméstica, que deixa a residência onde trabalhou por anos para dar um novo rumo à sua vida. A personagem vivida por Regina Casé no filme “Que horas ela volta” emocionou muitas pessoas que passaram pela dura tarefa de trabalhar em residências e fez alguns patrões repensarem a forma de agirem com essas profissionais.
“Trabalhei tanto na casa dos outros que eu digo que não devia ter sido babá, porque hoje não tenho muita paciência com meus filhos”. A frase podia ser de Val, a pernambucana que saiu de Vitória de Santo Antão para se estabelecer em São Paulo na residência e foi vivida nas telas de cinema pela carioca, que apresenta um programa na TV Globo. Mas é de uma agricultora agroecológica, que depois de 15 anos trabalhando no Recife, voltou para o município de Cumaru e mostra estar plenamente realizada.
Josefa Genilza da Silva é conhecida simplesmente como Nilza. Voltou do Recife em 2012, se estabelecendo novamente no Sítio Pedra Branca, na área rural de Cumaru, onde já vivia a sua irmã e uma das grandes referências da agroecologia no Estado: Joelma da Silva Pereira. Nesse período, conseguiu construir sua residência, iniciou um plantio de diversos vegetais, criação de pequenos animais (porcos, galinha, coelho), obteve a cisterna de produção para sua propriedade, iniciou um banco de sementes crioulas e foi convidada a atuar como facilitadora de cursos de Gapa e Sisma (Geração de Água para Produção de Alimentos e Sistema Simplificado de Manejo de Água).
Ela conta que a maior dificuldade para deixar a cidade grande foi convencer seu esposo, Ozemir Otávio, que nasceu na capital e demorou para perceber que podia ser muito feliz no interior. Hoje, o casal comemora não só as melhorias nas condições sociais, mas também “a liberdade que os meninos (eles têm um casal de crianças) tem de brincar no campo e a possibilidade de se alimentar com produtos do próprio quintal”.
Para Nilza, voltar a Cumaru e passar a viver da agroecologia foi como ganhar na “Megasena” Fotos: Eduardo Amorim
Em janeiro, com as chuvas que caíram na região de Cumaru, Nilza viu pela primeira vez as duas cisternas da sua pequena propriedade sangrarem. Como agricultora, ela dá prioridade ao consumo da sua própria família, mas quando tem excedente também quer vender no mercado local. No seu quintal, tem feijão guandú, pimenta, cebolinha, couve, gergelim, alecrim, boldo, manjericão, pimentão, hortelã miúda, vick (hortelã japonesa) e cabaça, que serve para uma das atividades de Nilza que é o artesanato.
“Fico muito orgulhosa porque incentivei o pessoal a fazer artesanato em Riacho dos Bois e hoje o grupo de mulheres está produzindo bastante e comercializando”, explica ela, sobre uma conquista que foi obtida em uma das primeiras capacitações em que atuou como animadora. Nilza, que já fazia artesanato, teve a sorte de conhecer também nessa comunidade Dona Maria José, que na época precisava de mais pessoas para dar conta dos pedidos que recebia para suas peças e ajudou no início do processo de comercialização.
Mesmo feliz com as chuvas e as possibilidades geradas pela cisterna de produção com seus 52 mil litros de água, Nilza ressalta “precisamos buscar alternativas para lidar com os períodos de estiagem”. É assim que ela explica às agricultoras e agricultores porque acha importante que todos tenham outra atividade econômica, como o artesanato, que ela faz e incentiva.
Em padrões normais, Nilza não chega a ser rica. Conseguiu erguer uma boa residência na propriedade que divide com seu pai com os recursos que obteve da venda da casa que ela e Seu Ozemir venderam ao deixar a Região Metropolitana do Recife. A cisterna de produção foi uma conquista da agricultora que veio através do programa Pernambuco Mais Produtivo, da Secretaria Estadual de Agricultura Familiar, que é executado em Cumaru pelo Centro Sabiá.
Hoje, não compra galinha, estoca carne de porco e tem feijão para o ano todo. Os desafios da agroecologia em Cumaru parecem estar apenas começando para essa agricultora familiar, que por 15 anos atuou como empregada doméstica no Recife. Mas uma certeza ela não esconde de ninguém: “eu tirei na Megasena ao vir morar aqui. A qualidade de vida que minha família tem ninguém compra”.
Em Cumaru, muitas cisternas de 52.000 mil litros chegaram a sangrar com as chuvas de janeiro
Uma das preocupações que mais tem aparecido nos cursos de Gapa e Sisma que Nilza participa é com a proliferação do Aedes Aegipty. O inseto, que transmite doenças como a Zyca, Chicungunha e Dengue, tem se proliferado principalmente pelas zonas urbanas. Na propriedade da família Pereira, o pai de Joelma e Nilza colocou alguns peixes para evitar o uso de produtos químicos e impedir a proliferação do mosquito. “Nem todo mundo gosta, pois a água fica com um cheirinho. Mas a gente também dá toda a orientação para que os agricultores/as lembrem sempre de estar esvaziando o decantador, evitem deixar lixo perto de casa e assim saibam eliminar os pontos”, diz ela, contando que a temática entra naturalmente nas formações pelo interesse das pessoas que estão recebendo cisternas no Agreste de Pernambuco.
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Nós, do Centro Sabiá, desde 1993 promovemos a agricultura familiar nos princípios da agroecologia. Nossa missão é "plantar mais vida para um mundo melhor, desenvolvendo a agricultura familiar agroecológica e a cidadania". Seu apoio através de uma doação permite a continuidade do programa Comida de Verdade Transforma e outras ações solidárias e inovadoras junto ao trabalho com crianças, jovens, mulheres e homens na agricultura familiar.