É no Semiárido que Gogó vê sua identidade

gogóGogó canta os recursos naturais, a Agroecologia e as demandas dos
movimentos sociais / Foto: toninhoregis.wordpress.com

Enquanto muitos nordestinos fazem o caminho de ida para São Paulo, ele fez o contrário. Deixou São Paulo, na década de 1980 e se instalou no Semiárido nordestino, mais precisamente na Bahia. Hoje, aos 63 anos, Roberto Malvezzi, mais conhecido como Gogó, identifica-se com o Semiárido. Traz no seu trabalho e na sua arte as lutas e os desafios dos povos desse bioma. Canta e disserta sobre a água, a religiosidade, agroecologia e tantas outras demandas dos movimentos sociais. Gogó deu uma pausa nas suas tantas tarefas para nos conceder esta entrevista, que partilhamos aqui para bebermos do seu mundo e da sua arte. Acompanhe.

Por Laudenice Oliveira (Centro Sabiá)

O Canto do Sabiá – Quem é Roberto Malvezzi, o Gogó?

Roberto Malvezzi/Gogó– Talvez nem eu saiba direito. As pessoas costumam se auto definir a partir de sua carreira, de sua imagem pública, de sua formação. Mas, da escola que venho, como tantos outros, a identidade principal vem do serviço prestado, como uma missão, onde se faz de tudo um pouco, onde não temos projetos pessoais e carreiras. Minha identidade está ligada às chamadas Pastorais Sociais. Comecei com o “Povo de Rua”, em São Paulo, ainda na década de 70, do século passado. Depois, quando vim para o Sertão do São Francisco, estive muito com a CPT (Comissão Pastoral da Terra) e o CPP (Conselho Pastoral dos Pescadores). A partir daí, sempre em equipe, trabalhando com comunidades tradicionais, pescadores e os chamados grupos de base. É também nesse contexto que escrevo, faço música, assessorias e outros serviços. É no Semiárido que vejo a minha identidade, sem negar as raízes, a formação em Filosofia, Teologia e Estudos Sociais. Pois é, a vida é só isso e tudo isso.

OCS – De onde vem o apelido Gogó?

RM/Gogó – Vem da juventude. A voz sempre foi meu principal instrumento de trabalho, embora ela não seja lá uma grande voz, mas é um instrumento. O fato de falar, de cantar, de contar, fez um amigo me por o apelido de Gogó. Ficou, é tão comum que eu me vejo no apelido.

OCS – Como a música entrou na sua vida?

RM/Gogó -No seminário. Fui seminarista. Tinha um padre, que era maestro e compositor. Está vivo até hoje e se chama Ronoaldo Pelaquin. Ele nos ensinava a história da música, começando pelos clássicos e teoria musical. Fazia com que ouvíssemos música e fôssemos capazes de distinguir um instrumento do outro numa orquestra, de ouvido. Também nos desafiava a ouvir a música brasileira. Naquele tempo era o vinil. Daí a paixão pela música de Chico Buarque, Jobim, os tropicalistas, etc. Também fazia festivais e nos desafiava a compor. Foi aí que descobri que poderia fazer música, única área desse vasto mundo que me sinto confortável. Não sou grande instrumentista, nem grande cantor. Mas, me sinto seguro ao compor. Gosto principalmente de compor musicais. Tenho alguns. Mas eles são difíceis de serem montados, caros. Então, o tipo de música que faço, ligado à dimensão sócio-ambiental-religiosa da vida não tem muito lugar, muito espaço, muito menos no mundo do show busines. Mas é o que gosto. Vejo a música como uma grande companheira de caminhada. Nos momentos mais difíceis, um violão e uma boa música ajudam muito.

OCS – Como músico, cantor e poeta, como se define Gogó?

RM/Gogó – Compositor. Mas, com uma boa letra, com poesia.

OCS – Para aonde quer levar o seu canto?

RM/Gogó – Chico Buarque tem uma frase que diz mais ou menos o seguinte: “a música depois de solta, é como uma filha que cai na vida”. Então, você nunca sabe onde vai parar. Tenho uma música, do musical Cristificação do Universo, chamada Hosana Hey. Essa música foi incorporada à liturgia do Domingo de Ramos. Sei que ela é cantada praticamente em todas as igrejas do Brasil, da América Latina e pelos hispânicos nos Estados Unidos. Quando você faz uma música nunca imagina onde ela vai parar. O bom é quando repercute, vai longe.Mas, tenho muitas músicas locais. A música “Água de Chuva” é muito conhecida no Semiárido, muito cantada nas comunidades, muito utilizada na formação sobre água de nossos formadores. Essa é a retribuição maior que um compositor pode ter.

OCS – Qual o papel da música para a resistência, para a luta dos povos?

RM/Gogó – Desconheço quem não goste de música. Pode não gostar de uma, de um gênero, mas ela está em todas as culturas do mundo. Nosso povo faz música, canta, dança, seja na alegria, seja na tristeza. É um elemento essencial nas resistências e lutas de nossos povos.

OCS – Que sonhos Gogó acalanta para a vida e para a luta?

RM/Gogó – Sonhos coletivos, de água para todas as comunidades, superação da fome, das injustiças, com educação, saúde, sem destruir nossas bases naturais. Um país com a cara daquele encontrado por Pero Vaz de Caminha quando chegou no litoral brasileiro. Ele estava maravilhado com o que tinha diante dos olhos, a floresta, os povos, as águas, os animais.

OCS – Que mais gostaria de acrescentar?

RM/Gogó – Grato pela entrevista. Que ela possa animar outros poetas, cantadores que, diante de tantas dificuldades, muitas vezes desistem. Para fazer música não é preciso o sucesso, basta gostar da música.


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Nós, do Centro Sabiá, desde 1993 promovemos a agricultura familiar nos princípios da agroecologia. Nossa missão é "plantar mais vida para um mundo melhor, desenvolvendo a agricultura familiar agroecológica e a cidadania". Seu apoio através de uma doação permite a continuidade do programa Comida de Verdade Transforma e outras ações solidárias e inovadoras junto ao trabalho com crianças, jovens, mulheres e homens na agricultura familiar.

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