Ridalva: sobre o acesso à água e a formação de lideranças no Sertão
Por Eduardo Amorim
Quem passa pelas estradas do Semiárido e vê as quase 1 milhão de cisternas construídas pela Articulação Semiárido Brasileiro (ASA Brasil) não percebe visualmente todos os benefícios que o povo sertanejo tem adquirido com as políticas de acesso à água. É preciso conversar com os agricultores e agricultoras para entender que além das obras físicas e da diminuição do esforço para conseguir água para as famílias e a produção, há também um ganho pessoal e coletivo relevante.
“Ganhamos mais autonomia para falar, aprendi a ter mais cuidado com as outras pessoas, a respeitar os diferentes. Eu sempre tive um certo cuidado com os outros, mas nas formações e no contato em intercâmbios e outras atividades a gente aprende muito tanto com a pessoa que vem dar o curso como também as que estão participando, que muitas vezes você já conhece, são da nossa cidade ou até do mesmo povoado e não sabia dos conhecimentos”, diz a agricultora Ridalva Mendes, sem esquecer de agradecer a Deus e aos Governo Dilma e Lula pelos benefícios.
Preocupada com a situação do política do país, Dona Ridalva temia a saída da presidenta eleita Dilma Roussef (a entrevista foi feita antes da posse do vice-presidente e agora interino Michel Temer): “Uma pessoa que lutou tanto, que os nordestinos conhecem o valor e que mais do que uma política, é a representante de um projeto que mudou a vida de tantas pessoas”, diz ela, sobre a presidenta.
Hoje, Dona Ridalva é uma liderança na comunidade, já foi convidada para dar palestras sobre sua experiência de vida e de enfrentamento ao machismo. Ela conseguiu superar uma história familiar complicada. Já sua filha, Rafaela Borges, representou os jovens sertanejos em Paris, durante a realização da COP-21 (a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas) e foi uma das responsáveis por criar um projeto de cineclubes que o Centro Sabiá iniciou em 2015, justamente no município de Flores e na comunidade de Matalotagem, onde a família vive.
Ridalva mora no Sítio Matalotagem e é uma referência entre as mulheres do município Foto: Raimundo Daldenberg
“Aprendi técnicas da agroecologia, como novas formas de trabalhar no solo cada vez mais seco e meios de armazenar água. Uma solução foi a construção de uma cisterna ao lado da minha casa para guardar água da chuva fresca. Outra é cavar canais de água ao lado das colheitas, chamadas cisternas calçadão. Hoje, sou uma jovem liderança na minha comunidade, compartilho o que aprendi, incentivo outras pessoas a fazer o mesmo e, juntos, temos tentado lutar contra as corporações agrícolas que dificultam nossa situação. Também temos exigido que o governo federal melhore suas políticas para a juventude”, conta Rafa, em texto publicado durante a COP-21 (http://www.brasilpost.com.br/actionaid/do-sertao-brasileiro-para_b_8691018.html), demonstrando o quando foi importante não só as cisternas, mas também as políticas de assistência técnica e extensão rural agroecológica para sua família.
Dona Ridalva e Rafaela são exemplos de quem consegue tirar das formações e das obras para garantir as cisternas uma mudança de vida completa. Mas elas lembram como tudo começou e representam também as centenas de milhares de nordestinos que acessaram essa política pública. A vida delas começou a mudar ao acessar a cisterna de primeira água, que foi o único reservatório da família por mais de quatro anos para os cinco familiares e também para dar de beber aos bodes, galinhas e porcos que a família cria.
“A gente aprende a economizar!”, diz Ridalva, explicando que os cursos de Gapa (Gerenciamento de Água para Produção de Alimentos) e Sisma (Sistema Simplificado de Manejo de Água) foram importantes nesse processo, assim como a formação realizada quando eles receberam a primeira cisterna. Depois de se separar e do nascimento do seu neto, filho de Rafaela, finalmente Dona Ridalva conseguiu a construção de uma cisterna de 52 mil litros. E assim duplicou o número de caprinos e aumentou também a quantidade de galinhas e porcos.
Humilde, ela lembra de todas as benfeitorias recebidas juntamente com a cisterna: cinco bolas de arame que serviram para cercar a propriedade, uma caixa de água de 1.500 litros, duas enxadas, pé de cabra e uma bomba elétrica para fazer o líquido sair da cisterna para o reservatório da casa. Assim, a primeira cisterna (que pega água do telhado da casa) ficou apenas para o consumo humano e ela já tem condições até de plantar uma pequena horta para o consumo dos cinco moradores, Ridalva, Rafaela, dois filhos da agricultora e seu único neto.
Sobre os aprendizados, no processo todo de conquista das cisternas, ela garante: “aprendemos a economizar água, a zelar pelas coisas que conquistamos, a ajudar uns aos outros. Eu saí com uma outra visão, não só eu como outras mulheres”, garante.
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Nós, do Centro Sabiá, desde 1993 promovemos a agricultura familiar nos princípios da agroecologia. Nossa missão é "plantar mais vida para um mundo melhor, desenvolvendo a agricultura familiar agroecológica e a cidadania". Seu apoio através de uma doação permite a continuidade do programa Comida de Verdade Transforma e outras ações solidárias e inovadoras junto ao trabalho com crianças, jovens, mulheres e homens na agricultura familiar.