“Reafirmar o ser mulher numa sociedade machista e patriarcal é a luta que travamos 365 dias”
Foto: Acervo do Movimento das Mulheres Trabalhadoras Rurais de Pernambuco
“Reafirmar o ser mulher numa sociedade machista e patriarcal é a luta que travamos 365 dias por ano”
Confira a prosa que o Centro Sabiá teve com Elizete Maria da Silva, mulher negra, mãe e trabalhadora rural, sobre os diversos significados do Dia Internacional da Mulher.
O mês de março é um mês importante para a conquista dos direitos sociais da mulher. Marca anos de lutas – que ainda são travadas até hoje – para a conquista e manutenção de espaços de poder, de escolha e decisão. Março é o mês que marca o Dia Internacional da Mulher.
O 8 de março, Dia Internacional da Mulher, nasceu em 1909, em Nova York (EUA), criado pelo Partido Socialista da América (Socialist Party). Na época, o dia significava uma jornada de manifestações pela igualdade dos direitos civis, em favor do voto feminino nos Estados Unidos da América.
Com o passar dos anos, muita coisa mudou, e a luta se desenvolveu para áreas que até então eram excludentes à luta feminista. Apesar dos anos acumulados, a luta pelos direitos e pelo espaço não acabou, e acontece hoje e sempre, sempre se renovando em discurso e ideais de liberdade e união. E união é a palavra-chave nos tempos atuais, com o constante enfrentamento ao novo Coronavírus.
Por isso, conversamos com Elizete Maria da Silva, mulher negra, mãe e trabalhadora rural, para trazer mais perspectiva ao debate sobre o Feminismo, inserido num contexto tão difícil que enfrentamos hoje no Brasil, não só na política, mas também na vida em sociedade, com o constante medo do contágio através do novo Coronavírus (COVID-19).
Centro Sabiá: Elizete, o que você faz e de onde vem a sua luta?
Elizete: Eu me chamo Elizete Maria da Silva, sou mulher negra, sou mãe, avó, divorciada e sou trabalhadora rural. Venho da luta desde os anos 1970, passei muitos anos dentro do movimento sindical, e nos anos 2000 entrei no movimento de mulheres, o movimento Feminista. Foi no movimento de mulheres que eu me descobri uma liderança política.
Centro Sabiá: Qual a importância de um mês como esse, dedicado ao debate da mulher, da voz ativa?
Elizete: O mês de março, para mim, tem uma grande importância porque é um mês onde a gente reafirma toda a discussão do ser mulher numa sociedade machista e patriarcal. É a luta que a gente trava os 365 dias do ano.
Para mim, a data significa um dia de muita reflexão e muita reafirmação da nossa luta e do nosso papel enquanto mulher nessa sociedade. A gente reflete muito sobre o nosso papel de mulher, de liderança, aonde a gente quer chegar e o que a gente quer enquanto mulher numa sociedade que é excludente e violenta.
Centro Sabiá: É mais difícil ser feminista e posicionada no Brasil de hoje?
Elizete: Sempre foi muito difícil a mulher se reafirmar enquanto mulher em nossa sociedade, construída, conduzida e dirigida por homens. Na época em que eu era jovem, existia um domínio patriarcal que determinava o que você fazia, para onde você ia e com quem você ia. E eu sempre fui uma mulher muito ‘desobediente’.
Eu nunca baixei a cabeça, nem nunca obedeci nem a papai nem a mamãe. Eu fazia o que acreditava que era melhor pra mim. Eu nunca pedia, eu dizia: “vou pra tal canto”, independentemente de deixarem ou não, de eu apanhar ou não quando chegasse em casa. Eu ia.
Eu não sabia que era feminista. Descobri que era depois que ingressei no movimento de mulheres, depois de debates e discussões sobre nossos espaços de poder e sobre quem somos. Aí eu descobri.
Eu não nasci para viver só numa cozinha, lavando e passando roupa, cozinhando, cuidando de filho e cuidando de marido; não! Eu quero ocupar espaços que por direito são meus também.
Eu quero me ver, quero ver outros espaços, política, espaços de decisão, poder. Porque nós temos direitos. A sociedade é feita para homens e para mulheres, não só para um segmento que vai dominar. Deve ser justo e igualitário para os dois.
Centro Sabiá: Por fim, como você avalia a vida das mulheres nesse contexto do novo Coronavírus?
Elizete: Avalio que temos três grandes inimigos: a COVID-19, a fome e a violência doméstica. E muitas vezes nós mulheres nos sentimos impotentes, sem saber como lutar contra essa situação que está acabando com nossas vidas, violando nossos direitos, e destruindo nossa autoestima. Não é fácil uma mulher procurar comida em sua casa e não achar, sem ter como trabalhar, pois o trabalho é o único exercício que conhecemos que nos garante subsistência.
E a situação para nós, mulheres, só não está pior porque contamos com a solidariedade das pessoas caridosas, que graças a Deus ainda existem nesse País, e não medem esforços para nos ajudar. Com comida, palavras, com gestos, carinho e cuidado. Porque se fôssemos esperar pelo Estado brasileiro, com certeza estaríamos mortas. Por fome, vírus ou violência doméstica.
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