Viva o Dois Dedos de Prosa!
Marcos Antônio Bezerra Figueiredo
Sócio-fundador do Centro Sabiá e professor da UFRPE
Como sabemos, a prosa é um estilo literário, mas na cultura popular brasileira esta palavra significa também uma conversa aberta e amistosa. Uma espécie de bate-papo descontraído com a finalidade de comunicar um fato, uma história, uma novidade ou mesmo resolver alguma questão. Esta modalidade de narrativa é muito comum entre pessoas do mundo rural que cotidianamente usam a comunicação oral para relatar acontecimentos da vida nas comunidades. Pensando assim, a equipe do Projeto Tecnologias Alternativas Pernambuco e Paraíba do Centro Josué de Castro – ninho institucional do Centro Sabiá – decidiu criar, em 1989, o boletim “Dois Dedos de Prosa”, cujos nome e espírito buscavam captar este estilo popular, criativo e lúdico de comunicação.
Os primeiros números foram confeccionados quase que de forma artesanal por meio de máquinas datilográficas, pinturas e montagens à mão e a sua reprodução em copiadoras. Na primeira edição foram produzidos 300 exemplares enviados pelos Correios a partir de uma mala direta de endereços para as sedes de organizações populares vinculadas ao movimento sindical de trabalhadores rurais, pastorais da Igreja Católica, instituições governamentais, entre outras.
Para produzir o DDP, como é carinhosamente chamado, e outras peças de comunicação, a exemplo do Calendário e o Caderno Histórias da Roça (que divulgava experiências produtivas e organizativas da produção familiar camponesa) foi estruturada uma equipe de comunicação que era composta por uma jornalista (Vanderlúcia Maria da Silva), um diagramador – profissão hoje denominada designer – (José Tavares) e um desenhista (Frei Domingos Sávio). Uma equipe enxuta, mas brilhante, que deu o tom em termos de qualidade jornalística e artística com o argumento de que as publicações para a agricultura familiar deviam ser de qualidade.
“Ousadia, qualidade e criatividade são suas marcas até hoje, fortalecendo um estilo de comunicação afirmativa na perspectiva da agricultura familiar camponesa, da reforma agrária e da defesa de outros modelos e sistemas alimentares.”
Em 09 de julho de 1993, quando o Centro Sabiá foi institucionalizado como uma organização não-governamental com personalidade jurídica própria, a comunicação já era uma ação consolidada e parte importante da cultura institucional. Não se tratava somente de caprichar nas publicações com ousadia, qualidade e criatividade, que são suas marcas até hoje, mas principalmente fortalecer um estilo de comunicação afirmativa na perspectiva da agricultura familiar camponesa, da reforma agrária, da defesa de um modelo de desenvolvimento rural baseado na agricultura familiar e em sistemas alimentares biodiversos, como são os agroflorestais, que conservam a natureza, recuperam os solos degradados e produzem alimentos permanentemente.
Para a estratégia dos sistemas agroflorestais prosperarem, a comunicação teve um papel singular. Entre os anos de 1992 e 1993, o Centro Sabiá inicia pioneiramente processos de formação e experimentação participativa para implantação de áreas agroflorestais em Pernambuco, notadamente no município de Bom Jardim, com apoio do Serviço Alemão de Cooperação Técnica e Social (Sactes) e com assessoria de Ernst Gotsch. As dúvidas sobre a viabilidade, sobre a eficácia deste novo jeito de trabalhar eram enormes. Muitas pessoas diziam que “plantar pau não dá futuro” ou mesmo que estes sistemas produtivos “não são viáveis no Semiárido”, além de outros argumentos falsos que apontavam para uma incompatibilidade entre a floresta e a produção de alimentos.
“A comunicação desenvolvida pelo Centro Sabiá se vincula às lutas sociais por direitos humanos, democracia e um projeto de país plural, fraterno, harmônico, com sistemas agroalimentares baseado nos princípios da agroecologia, da soberania alimentar e da diversidade sociocultural.”
O fato é que a comunicação da Revolução Verde (RV), com sua narrativa ideologizada apoiada por grandes empresas de mídia (rádio, televisão, jornais, etc), controlam os sistemas de comunicação e exercem forte influência na formação da opinião pública com propagandas persuasivas. Para ela, tudo que for diferente, como os sistemas agroflorestais, é falso e não funciona. A principal mentira propagada pela comunicação da RV foi a que ela acabaria com a fome no mundo. Todavia, o seu verdadeiro objetivo oculto sempre foi a mercantilização da natureza e a concentração de lucros em poucas mãos.
A comunicação desenvolvida pelo Centro Sabiá caminha na direção oposta a esta: ela é contra-hegemônica e se vincula às lutas sociais por direito humanos, democracia e um projeto de país plural, fraterno, harmônico, com sistemas agroalimentares baseado nos princípios da agroecologia, da soberania alimentar e da diversidade sociocultural. Esta comunicação é um espaço para aqueles/as que são impedidos/as de falar, denunciando e anunciando que outro mundo mais solidário, colaborativo e de respeito a todas formas de vida é possível.
É com esta linha editorial marcada por este compromisso irrenunciável que o Dois Dedos de Prosa chega ao número cem e de forma ininterrupta. Uma marca histórica que deve ser comemorada como uma grande conquista de um boletim criativo, crítico e independente que evolui cada vez mais para cumprir seu devir histórico de comunicar conteúdos educativos para fortalecer as lutas de resistência popular contra a desigualdade, a devastação da natureza e a fome impostas a milhões de brasileiros/as por um governo federal inominável.
Viva o Jornal Dois Dedos de Prosa e a sua comunicação libertadora!
Que bom ter você por aqui…
Nós, do Centro Sabiá, desde 1993 promovemos a agricultura familiar nos princípios da agroecologia. Nossa missão é "plantar mais vida para um mundo melhor, desenvolvendo a agricultura familiar agroecológica e a cidadania". Seu apoio através de uma doação permite a continuidade do programa Comida de Verdade Transforma e outras ações solidárias e inovadoras junto ao trabalho com crianças, jovens, mulheres e homens na agricultura familiar.