“Temos que lamentar esse momento de graves ameaças às conquistas sociais”

ju1Por Eduardo Amorim

Coordenadora da Articulação Semiárido Brasileiro em Minas Gerais, Leninha Alves de Souza, foi entrevistada pela reportagem do Centro Sabiá. Ela fala sobre a questão da água e da importância do acesso a essa política pública para todos, desde os agricultores e agricultoras que recebem cisternas de beber e de produção até os povos tradicionais e as comunidades”vazanteiras”, que acompanham a subida e descida dos rios e são acompanhadas pelo Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas (CAA), ONG onde atua como articuladora política.

Questionada sobre o futuro, no entanto, ela não se furtou a se posicionar contra o golpe e declarar que a situação política preocupa, pois o impeachment da presidenta Dilma Roussef pode prejudicar as políticas públicas de acesso à água. “Como muitas organizações no Brasil, temos que lamentar esse momento de graves ameaças às conquistas sociais recentes. Sempre batalhamos que nossas experiências fossem apoiadas e financiadas com recursos públicos, pois entendemos como políticas públicas necessárias para a segurança alimentar, o protagonismo juvenil, das mulheres e a cidadania no campo”, disse ela, às vésperas da votação do pedido de impeachment pela Câmara dos Deputados.

Leia a entrevista feita por telefone abaixo.

Leninha

Leninha é coordenadora da Asa em Minas e atua na articulação política do CAA Crédito: Divulgação/CAA Norte de Minas

Centro Sabiá – Vimos na Série Água e Mudança de Vida três histórias de pessoas que se empoderaram a partir das políticas de convivência do semiárido e das cisternas. Você vê isso cotidianamente trabalhando em uma organização do campo em Minas Gerais?

A gente percebe que tem lugares onde o processo de ação coletiva nas comunidades é mais efetivo, mas o programa é para fazer a transformação social e política das famílias. Com isso, temos visto as pessoas acessarem outras políticas que muitas vezes eles não acessavam e buscar também uma participação mais política (nos espaços de associações, das comunidades tradicionais, dos movimentos sociais).

Sabiá – Qual a importância dos cursos de formação e da metodologia de construção das cisternas para se trazer efetivos resultados para as famílias que têm acesso a essas políticas públicas?

A gente procura como a Asa sempre orientar que as pessoas enxerguem seus próprios desafios. No território, na comunidade, então é importante discutir a monocultura, a política de distribuição das terras, de acesso à água e os desafios que elas tem na própria comunidade. Então a gente procura saber a partir do lugar onde eles e elas vivem.

Sabiá -Vivemos um momento de discussões muito relevantes sobre a desertificação e a água como direito humano, como foi visto na COP21, na França. Como coordenadora da Asa em Minas Gerais, o que você acha que ainda não está sendo feito para se somar aos esforços que temos visto de organizações como a Articulação no Semiárido Brasileiro para avançar ainda mais no acesso à água e barrar a desertificação no semiárido nordestino?

O que acho é que no contexto da mudança climática, a desertificação também está associado a esse processo. O que falta é cada vez mais implantar planos locais, a partir das visões de como as mulheres enxergam as mudanças climáticas, os homens (jovens, idosos, comunidades tradicionais …). As mudanças climáticas vão intensificar cada vez mais os processos de degradação. Esse processo ameaça também a biodiversidade e cada vez mais temos que ter comunidades fortalecidas, para ir aprofundando e ampliando as estratégias de convivência no futuro. No Norte de Jequitinhonha , o enfrentamento de mudanças climáticas e convivência com o Semiárido são questões que andam em paralelo. E temos visto as mudanças que estão acontecendo com a água, as plantas. Algumas comunidades sabem que espécies nativas do Cerrado estão alterando seu ciclo de reprodução. Algumas espécies tem anos que não florescem.

Sabiá – A questão dos megaempreendimentos que desrespeitam a vida de populações ficou muito evidente com o crime ambiental da Samarco, em Mariana. Como uma pessoa que atua na ASA em Minas vê o acidente e os problemas que certamente milhares de pessoas e o meio ambiente ainda viverão por muitos anos causados pelos resíduos de minérios? E você poderia falar alguma coisa sobre a importância da Caravana Agroecológica do Rio Doce?

Enquanto Asa Minas temos participado muito antes deste acidente dos espaços políticos onde questionamos o modelo de desenvolvimento econômico no Estado. Uma denúncia que a gente sempre faz é que grandes negócios não são fiscalizados, a eles é concedido todos os tipos de licença e isso que aconteceu em novembro mostra que há uma certa impunidade, quando um acidente como aquele afetou tantas vidas e o ambiente de tantas comunidades. E ainda estamos dimensionando os danos… As famílias que foram afetadas aos poucos estão tentando reestabelecer seus sistemas produtivos.

Mas a Asa Minas participou da organização da Caravana Agroecológica do Rio Doce (que foi realizada nesta semana) e desde o acidente estamos dando todo o apoio a todas as movimentações políticas, acompanhando o processo nos órgãos ambientais do Estado. Sabemos que a Fundação Banco do Brasil abriu um edital exclusivo para as ações de recuperação da bacia do Rio Doce, mas a empresa até hoje não pagou a multa e a gente avalia que o solo por exemplo, como é minério de ferro, vai ser recuperado daqui a cem anos. São passivos tão sérios que a gente não pode imaginar quanto tempo vai demorar para que essa região volte ao estado original.

Sabiá – Minas Gerais é o Estado onde nasce o São Francisco. Como está a situação das nascentes do Velho Chico e quais as principais problemáticas que ainda se vivencia no Estado para a preservação também deste rio?

A questão do São Francisco, que nasce em Minas, é muito importante para as populações ribeirinhas e pela primeira vez a nascente secou o ano passado. Nós trabalhamos com algumas comunidades vazanteiras (que se movimentam com o movimento do rio, quando enche elas sobem para cima do morro, quando baixa elas seguem para baixo). Uma grande questão em relação ao São Francisco é que seus principais afluentes estão muito contaminados, por exemplo o Rio das Velhas. Os afluentes deveriam ter uma ação efetiva e direta e não há um trabalho das comunidades ou ações efetivas de vida para esses afluentes. Avaliamos que o Comitê de Bacia do São Francisco tem uma ação muito para o rio em si, mas se a gente não consegue fazer também o trabalho nos afluentes.

Então, existe um processo intenso de assoreamento do rio, já tivemos embarcações que ficaram sem rodar por não ter condições de navegar e as pessoas que estão vendo o rio morrer tem esse sentimento consagrado. É como se esse povo que sempre viveu do rio estivesse morrendo. É um sentimento que dialoga com muitas comunidades, o rio como vida. E se o rio morre, então essas pessoas estão perdendo suas vidas (e seu modo de viver) também…

Sabiá – Quais são os grandes desafios no futuro próximo para o CAA Norte de Minas? Você destacaria algum(ns) projeto (s) que veja como muito importante(s) para a organização nos próximos anos?

Como muitas organizações no Brasil, temos que lamentar esse momento de graves ameaças às conquistas sociais recentes (a entrevista foi realizada às vésperas da votação pela Câmara dos Deputados do processo de impeachment que vem sendo realizado sem provas concretas de crime de responsabilidade e Leninha se posiciona claramente contra o golpe). Sempre batalhamos que nossas experiências fossem apoiadas e financiadas com recursos públicos, pois entendemos como políticas públicas necessárias para a segurança alimentar, o protagonismo juvenil, das mulheres e a cidadania no campo.

Nós estamos considerando cada vez mais que nossa luta seja para expandir a Assistência Técnica e Extensão Rural na perspectiva agroecológica e também nossas experiências na agroecologia, não só na produção como nas feiras e nas comunidades tradicionais. O desafio é universalizar a Ater e a agroecologia em todo o país, mas o momento político é de ameaças a conquistas muito importantes.

No entanto, mesmo com esse problema, a gente se mantém firmes, pois construímos um caminho na produção e da prática agroecológica. No nosso caso (do CAA) é muito forte a presença de povos tradicionais e da ação política, são povos que tem uma forma de produzir e também de lidar com a vida e a natureza. E sentimos muito por essa possibilidade de retroceder. Inclusive por termos participado em discussões como a do Planaplo. Como o Brasil avançou na construção de uma política agroecológica e agora coloca isso tudo em risco?

Que bom ter você por aqui…

Nós, do Centro Sabiá, desde 1993 promovemos a agricultura familiar nos princípios da agroecologia. Nossa missão é "plantar mais vida para um mundo melhor, desenvolvendo a agricultura familiar agroecológica e a cidadania". Seu apoio através de uma doação permite a continuidade do programa Comida de Verdade Transforma e outras ações solidárias e inovadoras junto ao trabalho com crianças, jovens, mulheres e homens na agricultura familiar.

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