Qual o futuro da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Câmara do Recife?

Todo processo que definiu a condução da Comissão de Direitos Humanos da Câmara pelo próximo biênio durou menos de um minuto

Por Renato Pereira Feitosa (Centro de Cultura Luiz Freire)

Vereadora mais votada nas eleições de 2016, a missionária Michele Collins (PP) presidiu a posse da nova legislatura da Câmara Municipal do Recife. Durante discurso, ela afirmou: “foi Deus que escolheu vocês”. Do plenário, vem um protesto: “foi o povo, vereadora!”. Era a voz do vereador Ivan Moraes (PSOL). Um pequeno episódio que expõe um bom resumo das propostas, e posturas, defendidas pelos dois mandatos que, em janeiro, manifestaram a intenção de presidir a Comissão de Direitos Humanos e Cidadania (CDHC) da Casa José Mariano pelos próximos dois anos. 

Michele acaba de iniciar seu segundo mandato. É missionária da igreja Assembleia de Deus e tem atividade parlamentar marcada pela orientação da sua religião. Em seu primeiro ano de mandato, numa sessão do plenário da Câmara, a vereadora condenou a decisão do Conselho Nacional de Justiça que garantiu o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo nos cartórios de todo o país. Na ocasião, disse que “homem com homem e mulher com mulher não é família” e que “está errada a mulher que, após conquistar seu direito e seu espaço, deixa de ser submissa ao homem”. 

Ela se elegeu vereadora com uma campanha em que tinha especial destaque o apoio político de seu marido, o pastor, radialista, apresentador de televisão e – desde 2003 – deputado estadual Cleiton Collins. Nos seus primeiros anos como legisladora do Recife, Michele foi vice-presidenta e presidenta da comissão que, à época, era nomeada como de Defesa dos Direitos Humanos, do Contribuinte e do Consumidor. Foi de sua autoria o relatório da comissão que recomendou a aprovação do projeto de lei 26/2016, elaborado pelo vereador Carlos Gueiros (PSB), que pretende proibir nas escolas públicas municipais qualquer material didático que se refira à “ideologia” de gênero e à diversidade sexual. Dentre a atividade parlamentar mais recente da vereadora, destacam-se projetos de lei que impõem restrições ao material didático nas escolas – e que, praticamente, censuram iniciativas de educação sexual – e que autorizam a realização de convênios entre a Prefeitura e entidades religiosas para a execução de atividades diversas.

Já Ivan Moraes se elegeu vereador pela primeira vez em 2016 propondo um “mandato popular”, assumindo compromissos com a transparência e a participação social na atividade parlamentar que acaba de iniciar. Jornalista, identifica-se como militante dos direitos humanos há quinze anos. Atuou na área como integrante do Centro de Cultura Luiz Freire e conselheiro do Movimento Nacional de Direitos Humanos. No ano passado, esteve junto das mobilizações que reagiram à retirada das menções à identidade de gênero e à diversidade sexual do Plano Municipal de Educação pela Câmara e contra o mesmo projeto de lei 26/2016 aprovado por Michele Collins.

Foi justamente sua proximidade com a sociedade civil – participando de diversas articulações na defesa e promoção de direitos – que garantiu o esforço coletivo necessário para que, com uma campanha modesta, Ivan chegasse à Câmara Municipal nas últimas eleições. A possibilidade de que presidisse a CDHC fez com que 103 entidades sociais pernambucanas manifestassem apoio ao seu nome em carta entregue aos gabinetes da Casa em ato público realizado no fim de janeiro. A expectativa era de que sua atuação à frente da comissão ofertasse a possibilidade de que as vozes dos mais diversos segmentos da sociedade – e, principalmente, dos grupos mais vitimados pela discriminação e pela desigualdade social – encontrassem sua expressão na análise do mérito dos projetos da Câmara, com discussões pautadas pela pluralidade democrática em audiências públicas e aberta à contribuição no monitoramento das políticas da Prefeitura para a área dos Direitos Humanos.

Na ocasião da entrega da carta, o vereador Carlos Gueiros, atual vice-presidente da Câmara, declarou à imprensa que a presidência das comissões é definida nas negociações para a eleição da Mesa Diretora da Casa e que caberia ao presidente eleito, Eduardo Marques (PSB), cumprir com seus compromissos políticos. Desde seu primeiro mandato, Michele Collins é figura destacada da base aliada do governo de Geraldo Julio no Legislativo municipal. Em 9 de fevereiro, ela, Ivan e Davi Muniz (PEN) – nomeados membros efetivos da CDHC por Marques – votaram entre si para a presidência e vice-presidência da comissão. Michele e Davi trocam votos. Ivan, isolado, vota em si mesmo. Tudo ocorre sem a exposição de justificativas ou debate de propostas. A vereadora do PP é eleita presidenta da comissão e seu aliado assume como vice. Todo processo que definiu a condução da Comissão de Direitos Humanos da Câmara pelo próximo biênio dura menos de um minuto. Dias depois, alegando motivos pessoais, Davi Muniz renuncia à vice-presidência, que passa a ser ocupada por Ivan Moraes.

Num ano que se iniciou com disseminação de casos de feminicídio numa sociedade que perpetua a violência cotidiana contra mulheres e a população LGBTT, a discussão sobre o papel da Educação na mudança da cultura que naturaliza a ameaça à liberdade, aos direitos e às vidas das pessoas soa mais que urgente. E a moral de toda essa história continua a mesma. Mesmo com um nome representativo de suas pautas, a ampliação da mobilização dos movimentos continua sendo essencial para que elas possam se fazer valer e avancem no Legislativo do Recife. O que se faz monitorando suas atividades, exigindo, denunciando e ocupando todos espaços políticos, os do cotidiano e os institucionais.

 

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