Representantes da Cáritas francesa conhecem a convivência com o Semiárido
Por Verônica Pragana – Asacom
No Grupo Escolar Lajes de Farinha, uma escola do campo de São Caetano | Fotos: Verônica Pragana/Asacom
Na sexta-feira passada (15), o Semiárido brasileiro recebeu a visita de dois representantes da Cáritas francesa, parceira da ASA desde 2017. Aude Hadley e Luís Urrego, que atuam na instituição europeia acompanhando projetos na América Latina e Caribe, testemunharam as mudanças na vida das famílias e comunidades do Semiárido indo nos municípios de São Caetano e Cumaru, na região Agreste de Pernambuco.
Em São Caetano, os visitantes – acompanhados por Alexandre Pires e Valquíria Lima, ambos coordenadores executivos da ASA Brasil pelos estados de Pernambuco e Minas Gerais, respectivamente, e por Rafael Neves, coordenador dos programas Um Milhão de Cisternas (P1MC) e do Cisternas nas Escolas – foram no Grupo Escolar Lajes de Farinha, na comunidade de mesmo nome. A escola foi beneficiada pelo Cisternas nas Escolas, que dotou a instituição de uma cisterna de 52 mil litros para acumular água da chuva e capacitou as professoras e merendeira com cursos de gerenciamento de água e também sobre educação contextualizada.
Na escola, os visitantes conheceram a horta cultivada com a água acumulada em outra cisterna, uma vez que a água da primeira dá conta das necessidades de consumo humano – beber e cozinhar a merenda dos/as estudantes. Assim como das cisternas sai a água para as famílias necessitadas durante o período da seca, da horta saem os alimentos para as famílias da comunidade que precisam de um ou outro ingrediente para temperar ou complementar as refeições.
A doação, em vez da venda da produção do excedente às famílias, chamou atenção de Aude. “É bem bonito ver que as famílias que precisam, vêm aqui e pegam o alimento. Isso vence a lógica capitalista da venda”, comentou ela durante o farto lanche oferecido pela escola para os visitantes.
Um momento de conversa para situar os visitantes na história da família de Joelma e Roberta Pereira de Cumaru
A parada seguinte foi na propriedade de Joelma e Roberto Pereira, no município de Cumaru. A primeira conversa foi em cima do calçadão da primeira cisterna de 52 mil litros da família, uma das primeiras tecnologias construídas pelo Programa Uma Terra e Duas Águas, iniciado em 2007.
Sócia da Associação de Agricultores/as Agroecológicos de Bom Jardim, da ONG Sabiá, presidente da Associação dos Agricultores/as Agroecológicos da sua comunidade (Associagro), com participação ativa na igreja e coordenadora de Mulheres no Sindicato dos Trabalhadores/as Rurais de Cumaru, Joelma divide com o marido o trabalho com o cultivo e criação de animais das propriedades que possuem, que somam 7,5 hectares.
Eles criam galinha, porco, ovelhas, vacas e abelhas. No ano passado, conseguiram produzir com insumos da propriedade cerca de 95% da alimentação das galinhas. Esse ano, com menos chuva do que em 2017, terão 50% do necessário para alimentar a criação. O restante, eles precisarão comprar.
O excedente da produção de toda a propriedade, eles doam e comercializam. Há 10 anos, vendem seus produtos na comunidade de Pedra Branca e, mais recentemente, começaram a participar de duas feiras agroecológicas que se configuram como espaços sociais de acesso a mercado através de práticas justas de comercialização. Uma das feiras é em Cumaru todos os sábados. E, nas terças-feiras, na cidade de Surubim, a cerca de 40 minutos de onde moram. “Aqui a ‘agricultura sustentável e solidária’ não é só no nome. A gente faz parte deste processo que está em construção. Nada está pronto”, atesta ela.
A casa de sementes comunitária e também sede da associação de agricultores/as agroecológicos de Pedra Branca e vizinhança
Do sítio de Joelma e Roberto, após um farto e saboroso almoço produzido com alimentos cultivados pela família, os visitantes conheceram a Casa de Semente da União, um espaço comunitário para guardar o patrimônio genético que faz parte de sua cultura alimentar e produtiva. A casa de sementes é, ao mesmo tempo, a sede da Associagro e tem, no terreno ao lado, uma das tecnologias de captação e armazenamento de água da chuva, a cisterna-telhadão, que possui um sistema de filtragem da água antes de ser depositada no reservatório de 52 mil litros.
Ao fim da visita, alguns depoimentos. Alexandre Pires destacou a tarefa de partilhar conhecimento para quem se dedica à convivência com o Semiárido, como fez o dia todo Joelma e outras pessoas da comunidade Pedra Branca. Valquíria ressaltou o impacto positivo de ter visto tanta produção mesmo com a seca. “O que é resultado de trabalho, persistência e resistência.”
Aude, coordenadora da equipe da Cáritas francesa que acompanha a América Latina e Caribe, ficou muito impressionada com as novas dinâmicas sociais e, particularmente, com o sistema de biogás que é algo muito promissor por reduzir impacto ambiental e trazer autonomia e resiliência às famílias”.
E Luis, também da Cáritas francesa, lembrou das reflexões sobre o cuidado com a terra que ouviu durante a visita que “atestam mudança de mentalidade. A agroecologia não é só técnica, mas o saber viver. E como vocês são curiosos, têm criatividade e isso faz a diferença. O que vimos é esperançador. Tem o compartilhar, há outro tipo de sociedade, de mentalidade que temos que criar. Foi muito importante ver esta experiência de vocês”.
A anfitriã Joelma agradeceu a visita, dizendo que cada grupo que passa dá uma injeção de ânimo que renova a vontade de fazer o que fazem. E a visita foi concluída com um pensamento que mais parece um mantra das organizações sociais e agricultores familiares. Desta vez, foi dito pelo agricultor Luiz Eleutério, vizinho de Joelma e um dos entusiastas da agroecologia: “A seca ninguém acaba. A gente tem que aprender a conviver com ela, que é obra da natureza”.
Para fechar com chave de ouro, uma passadinha na Feira Agroecológica de Boa Viagem, organizada pela Rede Espaço Agroecológico | Foto: Gleiceani Nogueira/Asacom
No outro dia de manhã, no sábado, eles conheceram uma das feiras agroecológicas do Recife, organizada pela Rede Espaço Agreocológico eque envolve sete organizações de agricultores e agricultoras, a feira de Boa Viagem.
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