Um Grito por direitos e justiça
Por todo o Brasil, trabalhadores/as do campo estão mobilizados para o Grito da Terra. Em Recife (PE), marcha reuniu cerca de 5 mil.
Foto: Sara Brito/Centro Sabiá
Por Ronaldo Eli (ASACom) e Sara Brito (Comunicadora popular ASA/Centro Sabiá)*
Milhares de trabalhadoras/es mobilizadas/os e debatendo reivindicações centradas na valorização da agricultura familiar, por melhores condições de trabalho, em defesa do meio ambiente e da produção de alimentos saudáveis. O Grito da Terra Brasil é um grande processo de formação e ação política que se capilariza pelo país, pressionando os governos para a concretização de políticas públicas para o campo. Em cada Estado foram discutidas reivindicações específicas para os poderes locais, de forma a atender às necessidades específicas de cada contexto.
Desde a construção das pautas de reivindicações, passando pela sua entrega aos chefes dos poderes executivos (e legislativo, no caso nacional), as negociações setorizadas, a publicização dos debates e dos compromissos firmados e a culminância que acontece nos atos realizados hoje nas ruas das maiores cidades do país, são envolvidos centenas de sindicatos, dezenas de federações, organizações parceiras e, principalmente, milhares de trabalhadoras e trabalhadores rurais.
Na semana passada, o Grito chegou à sua 21a edição, com o anúncio dos resultados do processo que está sendo realizado há meses. A pauta de reivindicações conta com 23 pontos centrais, que tratam da reforma agrária, fortalecimento da agricultura familiar, meio ambiente, juventude e sucessão rural, assalariamento rural, Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo), políticas sociais, relações internacionais, e organização e enquadramento sindical. Ao todo, são mais de 300 reivindicações, entre elas: assentamento de 150 mil famílias; e um montante de R$ 51,4 bilhões para o desenvolvimento sustentável da agricultura familiar, sendo R$ 30 bilhões para crédito de investimento e custeio do Pronaf e R$ 21,4 bi para as demais políticas e programas. (Clique AQUI para baixar a pauta na íntegra, e AQUI, para ler as notícias da Contag sobre o processo de negociação nacional e as mobilizações pelo país)
Pernambuco – A Federação dos Trabalhadores em Agricultura de Pernambuco – Fetape está à frente da organização do 5º Grito da Terra estadual. A organização congrega 179 sindicatos de trabalhadoras/es rurais em todas as regiões do Estado e, neste ano, conta com mais reforços. Outras organizações do movimento sindical, como a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e Central de Trabalhadores do Brasil (CTB), também se envolveram, além de organizações de naturezas diversas, mas conectadas pelo seu foco de atuação em defesa da agricultura familiar e da agroecologia. Movimentos sociais como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), e organizações não-governamentais que atuam no campo, como o Centro Sabiá, são exemplos, além da Articulação Semiárido Pernambucano, a ASA-PE.
“Há uma expectativa de contarmos com um número maior de trabalhadores, tendo em vista que estamos fazendo de forma mais articulada com nossos parceiros. Várias organizações não só estiveram construindo a pauta, mas também estão envolvidas no processo de mobilização dos trabalhadores para participar desse evento”, relata Doriel Barros, presidente da Fetape. Ele avalia que a conjuntura aumenta a importância dessa articulação: “o momento que estamos vivendo agora é muito difícil e exige a nossa atuação conjunta em torno de uma pauta concentrada nos principais problemas que estamos vivendo”.
O sindicalista destaca que a pauta de reivindicações do Grito da Terra Pernambuco, com 14 pontos, aborda questões históricas do movimento que não têm sido respondidas pelo poder público ao longo dos anos. Perguntado sobre os pontos de maior destaque, ressaltou que “a Política de Convivência com o Semiárido é uma ação prioritária, e esperamos que desse Grito nós possamos sair com indicativos dessa construção. A Zona da Mata, que vive um momento de dificuldade, precisa passar por um processo de reestruturação, e esse é outro ponto fundamental para nós, além das ações sociais, bem como as ações emergenciais na região semiárida. Precisa chegar água, precisa chegar alimento para os animais.” (leia a pauta na íntegra AQUI) http://www.fetape.org.br/imagens/noticia/Pauta_do_5o_Grito_da_Terra_Pernambuco.pdf
Convivência com o Semiárido – A efetivação da Política Estadual de Convivência com o Semiárido é uma bandeira trazida com força pela ASA-PE (Articulação Semiárido Pernambucano) nessa pauta. Ela é objeto de lei estabelecida ainda em 2013, mas a sua aplicação não é efetiva, pois não existe um plano que especifique suas diretrizes e ações. “Pernambuco foi um estado pioneiro na elaboração de uma política, dos estados que compõem a região Semiárida no Brasil. Mas não adianta você ter uma política se ela não se desdobra em um plano com ações definidas, com responsáveis do estado definidos como responsáveis por essas ações, e de orçamento. Porque não basta ter uma política, ela tem que se traduzir em ações concretas junto às famílias agricultoras”, afirma Alexandre Pires, coordenador do Centro Sabiá e da ASA Pernambuco.
Pires reforça a importância da pauta construída no Estado, mas lamenta a falta de posicionamentos oficiais. “A pauta do Grito da Terra é uma pauta atual porque resgata as demandas passadas. No momento da entrega foi assumido pelo Governo o compromisso de construir um ciclo de reuniões com as várias secretarias que estão relacionadas aos assuntos da pauta do Grito. Isso não aconteceu.” O documento foi entregue no dia 27 de abril ao secretário da Casa Civil de Pernambuco, Antônio Figueira e ao secretário de Agricultura e Reforma Agrária, Nilton Mota.
Em marcha – O silêncio do poder público estadual em relação às propostas do movimento fez com que a cobrança de respostas se tornasse um dos principais objetivos do ato do dia 20 de maio, em Recife. Cerca de cinco mil trabalhadores e trabalhadoras marcharam em direção ao Palácio do Governo. No percurso, homens e mulheres de dezenas de municípios entregaram mudas nativas e sementes crioulas à população para chamar a atenção para a sua pauta de reivindicações. Na avenida Conde da Boa Vista, uma das principais da capital, foi lido um Manifesto em Defesa da Democracia, da Reforma Política e da Reforma Agrária. Segundo o presidente da Fetape, Doriel Barros, “Pernambuco grita para fortalecer a pauta nacional e por ações do Governo do Estado.”
Agricultora há 40 anos, Edite Alexandre de Oliveira, de Lagoa de Itaenga, diz que para ela o principal problema é a falta de água. Ela acha que a solução para o problema está na escavação de poços. Mas, sem recursos para a obra, reivindica a ação de políticas públicas. “O governo não está correspondendo a nossa confiança. Se ele ajudasse, resolvia o problema da água”, diz Edite. Já Manoel Domingos da Silva, 62, agricultor e sindicalista do município de Escada, na Zona da Mata pernambucana, acredita que “as reivindicações são importantes, mas falta o governo dar importância. Parece que dá as costas ao homem do campo, e a riqueza vem do campo. Se o campo não planta, a cidade não janta.”
Jaime Amorim, coordenador do MST-PE, acredita que a maior importância da pauta deste ano está na articulação. “Pela primeira vez, nós construímos uma unidade na luta e na ação entre as organizações que fazem o dia a dia da luta dos camponeses. Não é a pauta isolada de algum movimento. O governo tem que saber da responsabilidade que é lidar com uma ação como essa. As diversas organizações vão continuar se mobilizando”, diz Amorim. Madalena Margarida da Silva, da Secretaria de Mulheres Trabalhadoras da CUT-PE, ressaltou a união de trabalhadores/as: “É muito importante que trabalhadores do campo e da cidade se aliem, porque os problemas são parecidos. Essa aliança é importantísssima para a construção de um mundo mais justo, com gente comprometida com essa disposição para a luta.”
Foto: Sara Brito/Centro Sabiá
Opinião pública – A sensibilização da sociedade também é um objetivo do movimento. O carro de som emitia: “Quem coloca alimento na mesa da cidade precisa do apoio da sociedade”. Barros lembra que “muitas vezes a sociedade não valoriza os agricultores familiares, e são trabalhadores que produzem quase 70% dos alimentos que vêm pra mesa dessas pessoas, que não reconhecem e são influenciados por uma mídia conservadora que discrimina a classe trabalhadora. Essa sociedade precisa apoiar essa classe de trabalhadores para que a gente possa continuar a produzir alimentos que cheguem mais baratos e com mais qualidade na mesa de quem vive na cidade.”
O final do percurso do Grito da Terra PE foi o Palácio do Governo, onde uma comissão formada por representantes da Fetape, da ASA-PE, do MST, da CUT, da CUT Pernambuco e da CTB foi recebida pelo chefe da Casa Civil, Antônio Figueira e pelos secretários da Agricultura e Reforma Agrária (SARA), Nilton Mota, da Agricultura Familiar, José Cláudio da Silva, da Defesa Social, Alessandro Carvalho, e da Saúde, José Hiran Costa Júnior. O governador Paulo Câmara não estava presente. Na oportunidade, eles entregaram um documento contendo respostas à pauta do Grito.
Entre as promessas presentes no documento de resposta, o governo garantiu 20 ônibus para que a delegação de Pernambuco possa participar da Marcha das Margaridas, que acontece em Brasília, em agosto deste ano; e a contratação de 168 novos profissionais para atuação no Instituto Agronômico de Pernambuco (IPA). “Além disso, existe o indicativo de um plano de segurança para o campo, que a nossa proposta é que seja o Pacto pela Vida Rural; além da abertura de diálogo sobre as mudanças do Chapéu de Palha e da construção conjunta dos Planos de Reestruturação Socioprodutiva da Zona da Mata e de Convivência com o Semiárido. A gente espera que isso se traduza em ações concretas”, avaliou o presidente da Fetape, Doriel Barros.
Ele afirmou, ainda, que, caso o estado não implemente tudo o que assumiu, não haverá cerimônia, por parte do Movimento Sindical Rural, em colocar para os trabalhadores que o governo falhou no compromisso com eles. “Mas, a princípio, saímos animados, tanto com a participação da nossa gente nessa mobilização, como também com os indicativos apontados pelo Governo do Estado. Agora, é cobrar e verificar se avançaremos nas políticas, tanto para o Semiárido quanto para a Zona da Mata”, concluiu Doriel.
*Com informações do sítio da Contag e da Fetape na internet
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