Mulheres indígenas em ação

movimento de mulheres indígenas Kiriri e cacique ManoelMovimento de mulheres indígenas Kiriri está se fortalecendo através de espaços de discussão / Foto: Nilma Carvalho

“Através dos séculos nossa voz foi sufocada. Mas muitas vozes femininas ecoaram. Hoje o princípio da Terra, cujas sementes brotaram a partir das lágrimas de dor das mães, tias, avós e bisavós desse país se fazem presentes.” – Cunhã-Uasu Muacasáua

Por Nilma Carvalho (técnica do Centro Sabiá)

Após longos séculos de um excludente processo civilizatório, os Povos indígenas do Nordeste do Brasil, mantém ainda uma ferrenha luta contra o “rolo compressor” da colonização, que desencadeou uma terrível ação de genocídio e dominação que ainda persiste nos dias atuais, não só na política e na economia, mas, sobretudo na sua cultura, transformando seu modo de vida.

Contudo, eis que surge no cenário de resistência de luta, grupos de mulheres guerreiras indígenas que passaram a se organizar em movimentos em suas aldeias, buscando garantia de seus territórios tradicionais, porque deles dependem a sobrevivência de seus povos, garantindo sua produção e reprodução sociocultural e religiosa como também reivindicam o direito à saúde e a uma educação diferenciadas, pautas constantemente mencionadas em seus discursos, pois, segundo Edenilza Kiriri “o movimento de mulheres é para fortalecer nossa cultura e melhorar nossa vida na aldeia, pois a política dos povos indígenas é única”.

Além das reivindicações gerais, o movimento das mulheres indígenas, acrescenta como bandeira de luta as questões que envolvem as relações de gênero como, por exemplo, a violência contra a mulher, fato que tem assolado a vida na aldeia, como relata a índia Atikum: “tem muitas coisas que nós já perdemos por conta de nossas terras, que foram invadidas pelo não índio. Nós mulheres tomamos uma decisão, de ir à luta, pois o alcoolismo está tomando conta e destruindo nossas vidas, afetando tanto o pai de família quanto os nossos jovens, que já não têm mais a mesma ligação que os antigos tinham com a terra e com os Encantos (nossa religião), e por causa disso, nos tornamos vulneráveis às influências das ações praticadas pelo não índio junto ao nosso povo”.

Importante frisar que a entrada das mulheres indígenas na arena política em prol de maior autonomia, muito embora admita melhorias significativas, é um processo complexo, que abarca uma outra dimensão que vai além das identidades étnicas, direito à terra, soberania e segurança alimentar, educação e saúde, envolve também lutas específicas das mulheres indígenas no que diz respeito à violência, ao estupro, à bebida, ao abandono, à separação de casais, temas “que não é no movimento maior que vai discutir”, como assegura a jovem Índia Atikum.

Ao reforçarem a batalha pelas necessidades de seus povos, percebem que existem “coisas que são exclusivas de mulher” que ao lado das discussões de novas temáticas, anseiam por uma participação ativa nas tomadas de decisão e na ocupação de posiçoes em diversas áreas de importância para o desenvolvimento de sua aldeia tais como: território, saúde, educação, segurança alimentar, cultura e política, etc., principalmente “para que os homens nos dê valor, mas nós temos que nos valorizar primeiro para que eles nos respeitem e observem que nós também sabemos trabalhar” diz a jovem índia.

Cada vez mais cresce o número de grupos, movimentos e associação de mulheres nas aldeias indígenas, muito embora ainda tímido, porém, se configura como um espaço muito importante e significativo para discutir as questões relacionadas à melhoria de vida na sua aldeia, já que estas são as mais atingidas pelo os impactos negativos das transformações socioambientais e culturais oriundas do modelo de desenvolvimento econômico adotado pelo atual sistema. A esse respeito a comunicóloga Mayara Melo, em um texto de 2011, corrobora: “As mulheres indígenas são as mais gravemente afetadas pelo modelo de desenvolvimento econômico imposto no Brasil. São elas que sofrem de forma mais contundente os impactos provocados sobre o meio ambiente. Quando os indígenas perdem acesso aos recursos ambientais que garantem sua segurança e soberania alimentar, são as mulheres as mais penalizadas, pois geralmente são elas as responsáveis por cuidar da alimentação. Essa é uma característica comum a muitas comunidades tradicionais. Também são elas as mais impactadas pelas grandes obras que perturbam o modo de vida de suas comunidades.”

Facilitações de encontros, seminários e oficinas começaram a fazer parte da rotina das mulheres indígenas Kiriri da aldeia baixa da Cangalha e Araça, situado no Município de Banzaê/BA, assessoradas pelo Centro Sabiá. Estes novos espaços de discussão, visam articular mulheres de diferentes etnias para discutir questões relevantes à vida em sua aldeia e buscando “se conhecer para se valorizar” frase dita pelo Cacique Manoel Kiriri, presença constante nas oficinas, dando apoio incondicional à luta das mulheres por sua autonomia. E diz, “Estou aqui presente para dar meu total apoio nesta luta e me apresento aqui como parceiro de vocês”.

A garantia de acesso aos seus territórios tradicionais, valorização de sua identidade étnica, segurança alimentar, saúde e o direito a uma educação diferenciada que respeite e valorize o seu modo de vida, são bandeiras levantadas de uma maneira geral por todos os movimentos de mulheres indígenas, pois, como apontadas por todas “o movimento de mulheres é para fortalecer o movimento em geral, a política dos povos indígenas é única”.


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