Segurança alimentar e nutricional: você sabe o que os governos fazem a respeito?

posse do consea peConselheiros e conselheiras na cerimônia de posse do Consea-PE / Foto: Blog da Josélia 

No Estado de Pernambuco 15% da população vive em Insegurança Alimentar e Nutricional – INSAN, sendo 3% na condição de INSAN grave

Por Débora Britto (Centro Sabiá)

“Comida de verdade no campo e na cidade: por direitos e soberania alimentar”. Este é o tema da 5ª Conferência Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (5ª CNSAN), que acontecerá de 3 a 6 de novembro deste ano, em Brasília. Coordenada pelo Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), a conferência tem por objetivo ampliar e fortalecer compromissos políticos para a promoção da soberania alimentar e garantir a todos e todas o direito humano à alimentação adequada, assegurando a participação social no processo.

Em 2014, o Brasil saiu do Mapa Mundial da Fome, da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO/ONU). Apesar da conquista histórica, ainda existem desafios a serem superados para caminhar para uma situação de segurança alimentar e nutricional, inclusive para afirmação dos instrumentos democráticos de participação e controle social das políticas públicas. Para se ter uma ideia, Pernambuco passou 11 anos com o Conselho Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea/PE) com conselheiros não empossados oficialmente. Apenas em 2014, após pressão da sociedade civil organizada, é que houve a posse e a formalização do trabalho que há anos era feito movido pelo comprometimento e vontade de conselheiros e conselheiras.

Na lista de desafios estão grupos populacionais como os povos indígenas e os povos e comunidades tradicionais, especialmente as comunidades quilombolas, que ainda se encontram, em sua maioria, em insegurança alimentar. Também é motivo de preocupação a qualidade do que se planta e se come, assim como hábitos de consumo que são refletidos na saúde nutricional da população, a exemplo do aumento dos índices de obesidade e sobrepeso.

As etapas preparatórias para a 5ª CNSAN incluem conferências estaduais e municipais em que a participação popular deve ser primordial. O Consea Nacional divulgou, inclusive, um documento com orientações para as etapas para a Conferência Nacional. Conversamos com Zênia Tavares, presidenta Consea/PE sobre as articulações do Estado e as principais metas para 2015. Confira, abaixo, a entrevista completa:

Canto do Sabiá: Quais são as pautas prioritárias no campo da Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) para 2015 no cenário nacional e, especialmente, em Pernambuco?

Zênia Tavares: Temos como pautas prioritárias a revisão do Plano Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional – Planesan (2013-2015), a realização da 5ª Conferência Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional – 5ª CESAN e o fortalecimento do Sistema de Segurança Alimentar e Nutricional – SISAN. Para 2015 temos como grande desafio, mobilizar a sociedade em torno da segurança e soberania alimentar e nutricional, tendo em vista que esse é um tema que ainda precisa de maior entendimento por parte da sociedade e de gestores públicos. Precisamos garantir uma maior participação da população, para termos melhores resultados na discussão e proposições para a segurança e soberania alimentar e nutricional em Pernambuco.

CS: O ano de 2014 foi um ano positivo para os movimentos de defesa de SAN?

ZT: No que se refere ao Consea-PE, 2014 foi um ano difícil, pois devido a situação vivenciada [desde sua origem os conselheiros e conselheiras nunca tinham tomado posse oficialmente], tivemos que suspender as atividades do Conselho em fevereiro 2014. Deixamos de funcionar até o dia 10 de setembro, quando tomamos posse. Mas mesmo com dificuldades, realizamos junto com Organizações Não Governamentais, Movimentos Sociais, Universidade Federal Rural de Pernambuco e o Fórum de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional de Pernambuco – FESSAN-PE a “Jornada do Ano Internacional da Agricultura Familiar, Camponesa e Indígena: Povos de Pernambuco: Diversidade, Território e Soberania Alimentar”, com objetivo de conhecer os diferentes modos de plantar, colher e comer de distintas expressões da agricultura familiar e camponesa no estado. Foi um ano difícil, pois é evidente que a soberania e segurança alimentar e nutricional ainda não é considerada prioridade para o governo de Pernambuco. O que significa um grande desafio para construirmos um Sistema Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional forte, e que assegure o Direito Humano a Alimentação Adequada e Saudável à população pernambucana.

CS: Pernambuco vive uma situação de segurança alimentar? Quais são os principais desafios?

ZT: As últimas pesquisas realizadas pelo governo federal e estadual mostram que no Estado de Pernambuco 15% da população vive em Insegurança Alimentar e Nutricional – INSAN, sendo 3% na condição de INSAN grave. A última pesquisa de Orçamento Familiar do IBGE mostra que 57% da população adulta do Estado encontra-se na condição de sobrepeso e obesidade. O que é preocupante, tendo em vista que o tipo de alimento consumido está diretamente relacionado ao estado nutricional da população. Esses dados mostram a relevância do lema da 5ª CNSAN.

Os desafios para a concretização da Segurança Alimentar e Nutricional em Pernambuco passam pela inclusão da alimentação entre os direitos sociais na Constituição do Estado, a exemplo do artigo 6º da Constituição Federal; a criação da Frente Parlamentar sobre Segurança Alimentar e Nutricional na Assembleia Legislativa e pela criação de um Fundo Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional. Além disso, é necessário vincular o CONSEA-PE à Casa Civil; dispor de uma equipe de técnicos da área de planejamento e finanças para assessorar o CONSEA/PE na elaboração do planejamento e orçamento de suas atividades; investir em estudos e pesquisas na área de SAN; garantir recursos do Orçamento Geral do Estado, no Plano Plurianual (PPA). E, obviamente, assegurar no Orçamento Geral do Estado, recursos para as Conferências de Segurança Alimentar e Nutricional.

É ainda necessário garantir acesso a terra, água e assessoria técnica para famílias da agricultura familiar e camponesa no estado e promover a educação alimentar e nutricional, pois, o problema da obesidade e o aumento de doenças não transmissíveis são preocupantes, assim como regulamentar a publicidade e propaganda dos alimentos.

Estabelecer uma relação dos sistemas SUAS, SISAN e SUS; promover a educação para o consumo e a orientação sobre orçamento doméstico em diversos setores da sociedade, bem como nas equipes responsáveis pelos equipamentos da assistência social; fomentar e fortalecer o debate da política de Segurança Alimentar e Nutricional da População Negra e Comunidades Tradicionais de Matriz Africana também são fundamentais.

CS: Que eventos preparatórios serão realizados para qualificar a participação na Conferência nacional, em novembro, como também nas etapas anteriores (estaduais e municipais)?

ZT: O Consea-PE enviou, em fevereiro 2015, comunicado para todos os municípios do estado informando sobre as Conferências (nacional, estadual e municipal), destacando a importância da realização da Conferência Municipal para discussão da SAN em PE e perguntando sobre a realização da mesma nos municípios. Mas apenas seis municípios responderam. Um deles informou que não tem condições de realizar devido à contenção de despesas e cinco informaram que irão realizar a sua conferência. Diante desse quadro, o Consea-PE está negociando com o Governo do Estado a necessidade de realizar Conferências Regionais. A idéia é que sejam por Regiões Administrativas. Mas isso ainda não está definido. A realização dessas Conferências Regionais não impede que o município que tiver interesse e condições, realize sua conferência. Pretendemos realizar Encontro sobre SAN com populações tradicionais e discussões sobre temas referentes a SAN.

CS: Como o CONSEA Pernambuco tem se organizado para subsidiar o debate no Estado e envolver mais atores neste processo?

ZT: Apesar de existir desde 2003, o CONSEA/PE ainda não possui uma equipe técnica permanente que contribua com o Conselho e suas Comissões de Trabalho, o que tem dificultado o trabalho dos conselheiros e conselheiras. A partir das Comissões, pretendemos realizar Seminários Temáticos e Audiências públicas sobre SAN. O Consea-PE é composto por quatro Comissões, que são: Sistema e Política Estadual de SAN; Produção, Abastecimento e Consumo; Direito Humano à Alimentação Adequada e Saudável; e Populações Tradicionais. Programamos que cada Comissão com seu respectivo Seminário Temático ajude a responder as questões colocadas nos Eixos Temáticos da 5ª CESAN:
• Eixo 1: Comida de verdade: avanços e obstáculos para a conquista da alimentação adequada e saudável e da soberania alimentar.
• Eixo 2: Dinâmicas em curso, escolhas estratégicas e alcances da política pública.
• Eixo 3: Fortalecimento do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional.

CS: Qual a expectativa para a Conferência estadual, em julho? O que está no topo na agenda da mobilização no Estado?

ZT: Gostaria de destacar que a realização da 5ª Conferência Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional – 5ª CESAN é de responsabilidade do Governo do Estado, com a coordenação do Consea-PE. Ela acontecerá nos dias 04, 05 e 06 de agosto de 2015, no Recife. Assim, Pernambuco precisa realizar suas conferências municipais e/ou regionais até junho e a Estadual até agosto de 2015. A expectativa é que a população pernambucana contribua de forma qualificada nas discussões e proposições para a soberania e segurança alimentar e nutricional em Pernambuco, especificamente no que se refere ao tipo e a qualidade de alimentos que a população pernambucana consume; aos transgênicos e o uso de agrotóxicos; ao acesso a terra e água de qualidade; às condições de vida das mulheres; à situação da agricultura familiar e camponesa; e à conjuntura dos povos indígenas, quilombolas, de terreiros e ciganos no estado. Esperamos realizar uma conferência que forneça subsídios para o fortalecimento do Sistema Estadual de Segurança Alimentar e Nutricional – SESAN-PE, de forma que garanta direitos e soberania alimentar para população pernambucana.


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