Agrofloresta em Pernambuco – 20 anos construindo uma outra história no campo

Foto Ernest - Acervo Sabiá
Ernst faz orientação sobre SAFs com agricultores e agricultoras em Pernambuco / Foto: Acervo Centro Sabiá

por Laudenice Oliveira (Centro Sabiá)

Maio de 1994, agricultores e agricultoras das comunidades de Umari, Paquivira e Pindobinha, no município de Bom Jardim, Agreste de Pernambuco, iniciam uma viagem pelo mundo dos Sistemas Agroflorestais (SAFs). Um olhar, uma conversa diferente sobre como plantar, produzir e preservar. Até quem falava sobre o assunto tinha nome e sotaque diferente, o suíço Ernst Goetsch, agricultor pesquisador que morava no Brasil desde 1986 e praticava a agrofloresta no interior da Bahia. A convite do Centro Sabiá ele vem contribuir na formação da equipe e das famílias sobre SAFs. A curiosidade e a ousadia das famílias agricultoras dessas comunidades e outras mais como Inhamã, em Abreu e Lima, e do Sabiá construíram uma outra história para a agricultura familiar em Pernambuco. Estamos em 2014, comemorando 20 anos de sucesso com os SAFs em nosso estado.

“Começamos com uma conta de terra, baseado apenas em uma palestra. Hoje, a gente pode dizer que há uma coisa transformada lá: muitas plantas, da nossa região e de outras regiões, muitos animais voltando. Antes não produzíamos nada e agora há uma diversidade. Mostrou os talentos, como o de Lenir, para transformar a nossa produção e isso veio a partir da agrofloresta”, diz Jones Pereira, de Inhamã, Abreu e Lima, na Zona da Mata, um dos pioneiros na implantação de SAFs em Pernambuco. O professor da Universidade Federal rural de Pernambuco (UFRPE) e sócio-fundador do Centro Sabiá, Marcos Figueiredo, reforça e relembra o que diz Jones: “Inhamã era um assentamento de reforma agrária, dá para imaginar a situação da terra, degradada pela produção de cana-de-açúcar. A ousadia de Jones e Lenir foi grande, porque as condições eram muito difíceis e não havia uma referência metodológica para saber se dava certo ou não”, analisa ele.

No Agreste, Rafael Justino relembra da sua falta de credibilidade na mudança do jeito de plantar, mas resolveu fazer um pouquinho para não perder a amizade do técnico do Sabiá que sempre lhe visitava. “Eu não gostei muito não. Eu era muito assustado com esses modelos diferentes. O solo do meu sítio tava muito degradado, ele veio com a história de recuperar e eu achava que não dava certo, porque eu queria tudo com muita pressa. Fiz uma experiência pequena e na área deu um cará muito bom. Eu fiquei animado. Hoje eu tenho um solo recuperado, meu sistema deu qualidade de vida pra mim, pra minha família, na parte financeira também melhorou. A alimentação é saudável e abundante”, referenda Rafael.

O modelo que assustou Rafael se propagou em Pernambuco. Não queimar, não desmatar, não colocar veneno na plantação, cuidar das fontes de água, respeitar a sucessão natural das plantas, deixar os restos das culturas no solo para fazer cobertura morta, deu o que falar, nas três regiões: Sertão, Agreste e Zona da Mata. “Começamos lá como Loucos. Éramos chamados de loucos. Mas deu certo. A gente tem três filhas, todas concluíram a faculdade e uma já está fazendo mestrado. E conseguimos isso com esse trabalho”, diz Neide, esposa de Noé Ursulino, da comunidade de Carro Quebrado, Triunfo. “Eu derrubava a mata, queimava pra fazer monocultura de cana. Mas eu gostava de pesquisar coisa nova, quando me lançaram o desafio eu aceitei. Parei de queimar e muitos diziam que aquilo era uma roça de preguiçoso. Eu dizia: ‘deixe minha roça de preguiçoso’”, complementa Noé.

Foto 5 - Agrofloresta - Zé Caboclo - Sirinhaém -> Zé Caboclo e sua companheira em sua propriedade em Sirinhaém, Pernambuco / Foto: Vládia Lima 

Vinte anos depois
As histórias dos/as pioneiros/as são muitas. Dona Zefinha, Orlando, Fátima, Dona Tereza, Antônio Sabino, Ivonete, Dona Lourdes, Edimilson, Cristina, Seu Domingos, Seu Pedro, cada agricultor ou agricultora desses/as tem algo para dizer sobre os desafios de serem   os/as primeiros/as a ousarem fazer e ser diferente. Também foi ousado da parte do Centro Sabiá, assumir essa tarefa, que não deixava de ser transformadora, como ainda hoje é.

É importante destacar nessa caminhada o papel dos sindicatos dos trabalhares rurais de Triunfo e Bom Jardim, na organização das famílias, no incentivo às comissões de agricultores/as multiplicadores/as da agricultura agroflorestal. Uma porta para a fundação de associações como Adessu Baixa Verde, no Sertão, e a Agroflor, no Agreste.

O que se começou com pouco mais de 20 famílias espalhadas por sete municípios das três regiões de Pernambuco, com duas comissões de agricultores/as, dois sindicatos de trabalhadores rurais e algumas organizações parceiras, cresceu, trouxe autonomia, mudou a forma de pensar a agricultora familiar no estado. Os sistemas Agroflorestais hoje são referência em recuperação de solo, em produção de alimento diversificado e de qualidade, em proporcionar geração de renda para homens, mulheres e jovens do campo, além de levar alimento de qualidade para as famílias urbanas e preservar o meio ambiente.

Os números – Só o Centro Sabiá hoje, assessora famílias agricultoras que estão inseridas na agricultura de base agroecológica a partir dos SAFs em 31 municípios de Pernambuco. Destes, 07 são do sertão, 13 da Zona da Mata e 11 do Agreste. São mais de 2.200 famílias inseridas nessa realidade. Ao longo desses 20 anos, 12 feiras agroecológicas, ligadas diretamente a assessoria do Sabiá, foram consolidadas. São 160 famílias comercializando nesses espaços e gerando renda. Além disso, 216 famílias já estão beneficiando a sua produção. Do ponto de vista da autonomia e organização das famílias agricultoras, vale destacar a formação de associações e grupos de agricultores/as. Ligadas diretamente a assessoria do Centro sabiá são 96 entre associações e grupos organizados, reunindo um conjunto de quase 3.000 mil pessoas.

“É importante observar que não se trata de difusão de tecnologia. Eu vejo como um processo educativo, aberto, de diálogo permanente e de construção de conhecimentos. A mudança não é só na melhoria econômica e na paisagem, na produção de frutas. A mudança é cultural. O agricultor é parte dessa natureza. É uma opção pela natureza, um contraponto a lógica perversa do capital, do consumismo, do imediatismo”, sintetiza o professor Marcos Figueiredo.

 


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Nós, do Centro Sabiá, desde 1993 promovemos a agricultura familiar nos princípios da agroecologia. Nossa missão é "plantar mais vida para um mundo melhor, desenvolvendo a agricultura familiar agroecológica e a cidadania". Seu apoio através de uma doação permite a continuidade do programa Comida de Verdade Transforma e outras ações solidárias e inovadoras junto ao trabalho com crianças, jovens, mulheres e homens na agricultura familiar.

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Um comentário

  1. Admiro muito o trabalho de vcs. Gostaria de conhecer algum aceitamento ou propriedade q funcione esse tipo de agricultura. Por favor, se possível me envie através do e-mail, onde eu posso visitar, ou um telefone pra contato. Eu moro em Caruaru.

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