A interferência da ditadura militar na agricultura camponesa em Pernambuco

 

Em 31 de março de 1964 o Brasil vivenciou o Golpe Militar, ato que deu início à ditadura que durou 21 anos em nosso país, mas o campesinato, apesar da repressão, buscou formas de resistência ao regime implantado à época.


   

Foto: Reprodução de ilustração da Cartilha Alimentos Agroecológicos
Conjunto de políticas para modernizar a agricultura implantadas na ditadura favoreceram o capital
em detrimento dos camponeses/ Foto: Reprodução de ilustração da Cartilha Alimentos Agroecológicos

Por Marcos Figueiredo (Professor da UFRPE e Sócio fundador do Centro Sabiá)

31 de março de 2014. Nesta data completa-se cinquenta anos do golpe que implantou no Brasil a ditatura militar (1964-1985). 21 anos de violência institucional contra homens e mulheres do campo e da cidade. Estudantes, professores, religiosos, operários, camponeses e parlamentares tiveram seus diretos constitucionais cassados, foram perseguidos, presos, torturados e assassinados. Suas organizações e partidos políticos foram desmantelados, tutelados e extintos. Um período obscuro com muitas histórias encobertas, ainda.

50 anos depois, O Canto do Sabiá se pergunta: O que significou a ditadura militar para a agricultura camponesa em Pernambuco? Quais as estratégias que o regime militar construiu para a modernização do campo à luz da revolução verde? Perguntas pertinentes que se encaixam na necessidade política de estudar o passado para compreender o presente. Neste curto texto pretende-se tratar, brevemente, de três aspectos relacionados às referidas perguntas: Por que o campesinato? Quais as principais estratégias para a modernização da agricultura em Pernambuco? Quais as formas de resistência do campesinato na contemporaneidade?

Por que o campesinato?

Porque o campesinato, principalmente as Ligas Camponesas, ia de encontro aos interesses da burguesia em Pernambuco e no Brasil. As Ligas defendiam a realização da Reforma Agrária na lei ou na marra, enquanto os grandes proprietários de terras queriam a perpetuação dos seus latifúndios improdutivos e a acumulação de capital. Nas décadas de 1950 e 60, quando ocorre o acirramento das mobilizações políticas em todo o país, a burguesia nacional, agrária e industrial, articulada com os empresários e o governo americano, implantou a ditadura militar no Brasil. O período que se segue é de total negação do campesinato. Seja pelo desmantelamento de suas organizações, eliminação física de suas lideranças, amplo favorecimento da agricultura capitalista empresarial e até mesmo a substituição do termo camponês por pequeno produtor rural, numa tentativa clara de despolitização.

Associado à repressão que eliminou centenas de líderes camponeses, o governo militar impôs um conjunto de políticas para modernizar a agricultura. No caso do Nordeste, destaca-se o Fundo de Investimento do Nordeste – FINOR. Criado em 1974 e subordinado ao conselho deliberativo da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), este fundo teve um papel importante para o incremento da agricultura capitalista. Pernambuco foi o Estado com o maior número de projetos (34%), sendo parte destes destinados a financiar a modernização da pecuária e da irrigação, na mesorregião do submédio São Francisco, no Sertão pernambucano.

A modernização da agricultura em Pernambuco se estrutura a partir de três vertentes principais, que ganharam força a partir da égide da ditadura militar, são elas: a) O Proálcool e implantação de destilarias de álcool na Zona da Mata; b) O avanço da pecuária no agreste; e c) A ampliação da agricultura irrigada às margens do rio São Francisco.

O Proálcool e a implantação de destilarias de álcool

O Programa Nacional do Álcool, implantado pelo regime militar em 1975, fomentou a criação de destilarias de etanol associadas às usinas de cana-de-açúcar que existiam na Zona da Mata pernambucana. Com suporte de fartos recursos do governo federal os canaviais se expandiram sobre reservas de matas naturais e sobre áreas de agricultura camponesa. Houve um incremento na demanda por terras para suprir as necessidades de matéria-prima, bem como de novas tecnologias para elevação da produtividade do trabalho. Como consequência se verificou a redução de 150 mil postos de trabalho e a extinção de centenas de sítios de moradores, áreas tradicionais de agricultura camponesa. Segundo a CPT, cerca de 40 mil famílias foram expulsas de suas terras na década de 1980, ampliando o desemprego, a insegurança alimentar e o êxodo rural. Mesmo o Brasil tendo se tornado o maior produtor mundial de álcool combustível (etanol) a população da região continuou na pobreza e a natureza ainda mais degradada. A modernização da agroindústria canavieira em Pernambuco fortaleceu o paradoxo de que regiões ricas na produção de energia são pobres do ponto de vista social. 

O avanço da pecuária no agreste

A modernização do agreste pernambucano ocorreu através da pecuarização. O avanço da pecuária nesta mesoregião através do financiamento de novas variedades de pastagem e de animais de raças “melhoradas” para produção de carne desmantelou sistemas tradicionais de agricultura camponesa, destinados à produção de alimentos. A substituição do algodão e da palma pelo capim impediu completamente consórcios históricos entre a produção de alimentos para animais (volumoso) e de alimentos para os humanos. A ampliação do monocultivo de capim (pastagem) expulsou moradores do interior de fazendas para periferia das cidades. Assim, “o boi tangeu o homem” gerando mais exclusão social e migração campo-cidade.

A ampliação da agricultura irrigada no Sertão do São Francisco

A agricultura irrigada na mesorregião do submédio São Francisco tem como marco referencial o ano de 1953 quando foi implantada a Comissão do Vale do São Francisco (CVSF).Todavia, é sob a égide do regime militar que as grandes obras de irrigação se iniciaram efetivamente. Com investimentos pesados em transporte, comunicação, grandes barragens (a exemplo de Sobradinho) e em financiamento da agroindústria, o Estado viabilizou as condições para a produção competitiva de fruticultura em grande escala destinadas ao mercado externo e interno. Grandes empresas nacionais, centro-sul, e estrangeiras se instalaram no vale, destacadamente nos municípios de Petrolina e Juazeiro, onde existiam em 2006 cerca de 100 mil hectares irrigados e expectativa de irrigação de mais de 200. 

A biodiversidade do bioma Caatinga, com sua fauna e flora bem adaptadas ao clima, deu lugar a espécies de ciclo curto, dependente de insumos externos, sintetizados e adquiridos no mercado capitalista. O modelo favoreceu uma agricultura controlada por grandes empresas produtoras de insumos como a Bayer, Basf ou agroexportadoras como a Valexport, que controla grande parte da exportação de frutas.

Como era de se esperar, a modernização do Vale não favoreceu a agricultura camponesa. Ao contrário, muitos camponeses se tornaram assalariados, empregados das grandes agroindústrias. Com a perda de suas terras, houve uma redução do número de estabelecimentos com área inferior a 10 ha, tanto em Juazeiro como em Petrolina entre os anos de 1970 a 1996. Em outras palavras, a modernização conservadora do Sertão pernambucano ampliou a concentração da terra e a exclusão social, além dos graves danos à saúde do ecossistema, que inclui todos os seres vivos.

Assim sob todos os aspectos observados, o processo de modernização da agricultura pernambucana, intensificado com o golpe militar de 1964, favoreceu a especialização produtiva, a integração ao mercado capitalista, a dependência de insumos industriais e a concentração fundiária. Em suma, o Estado intensificou, um processo de descampenização, de negação do campesinato.

As formas de resistência do campesinato na contemporaneidade

As lutas sociais camponesas contra a degradação capitalista e pela manutenção de seu modo de vida é um traço que perpassa a história pernambucana desde o período colonial até a atualidade. O território pernambucano é um palco privilegiado destas lutas. Em diferentes momentos históricos o campesinato foi protagonista de lutas abertas: seja organizando movimentos de fugas e formando quilombos; seja resistindo ao avanço da pecuarização do Sertão; seja realizando ocupações de terra para formar assentamentos rurais; seja bloqueando rodovias para denunciar a morosidade de governantes em atender as reinvindicações de sertanejos, que vivem os impactos da seca na contemporaneidade.

O campesinato resiste tanto em lutas abertas, que são visíveis para toda a sociedade, como também dentro das suas unidades produtivas. Estas estratégias, baseadas nos princípios da Agroecologia, articulam sistemas produtivos sustentáveis com formas de organização e comercialização direta da produção, que ampliam a autonomia da agricultura camponesa frente ao sistema capitalista opressor. Milhares de famílias camponesas, em todo o estado, estão pondo em marcha um conjunto de práticas sociais, econômicas, culturais e ecológicas diversificadas, que demonstram a toda sociedade que caminhos contra-hegemônicos que geram dignidade e melhores condições de vida para os homens, as mulheres e os jovens do campo são possíveis e já estão em curso.

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Nós, do Centro Sabiá, desde 1993 promovemos a agricultura familiar nos princípios da agroecologia. Nossa missão é "plantar mais vida para um mundo melhor, desenvolvendo a agricultura familiar agroecológica e a cidadania". Seu apoio através de uma doação permite a continuidade do programa Comida de Verdade Transforma e outras ações solidárias e inovadoras junto ao trabalho com crianças, jovens, mulheres e homens na agricultura familiar.

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