Geração de renda e profissionalização de jovens são ingredientes de oficina virtual
Imagem Reprodução da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA)
Geração de renda e profissionalização de jovens são ingredientes de oficina virtual
Por Giuseppe Bandeira, integrante do GT de Juventudes da ANA
No último sábado, dia 12 de dezembro, aconteceu a oficina virtual intitulada: “Comidas e Temperos das Juventudes: Memórias Afetivas das Nossas Comidas de Verdade”. Realizada pelo Grupo de Trabalho de Juventudes da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), teve a geração de renda e a profissionalização de jovens como ingredientes chave e contou com a parceria do Centro Sabiá, do Centro de Estudos do Trabalho e de Assessoria ao Trabalhador (CETRA) e da AS PTA – Agricultura Familiar e Agroecologia, da Paraíba.
A atividade foi fruto da iniciativa “Comida de Verdade nas Escolas do Campo e da Cidade”, uma pesquisa-ação sobre a Política Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), que acontece em nove municípios do país e nas cinco macro-regiões. Inicialmente, a oficina estava programada para acontecer em formato presencial, em abril deste ano, na cidade de São José do Egito, em Pernambuco. Mas, devido às medidas restritivas e necessárias de distanciamento e isolamento social causadas pela pandemia da Covid-19, teve que ser cancelada.
A comida que alimenta a identidade foi o prato principal dessa vivência que também teve como proposta, atuar no campo da experimentação alimentar, estimular o paladar, estimular as memórias de quem participou da oficina, valorizar os saberes tradicionais e reconhecer os locais e sua forma de resistir a partir dos olhares das juventudes. Contou com participantes de todas as regiões do Brasil, em sua maioria jovens do Norte e do Nordeste.
A abertura do encontro contou com a exibição do vídeo “Banquete” do IV Encontro Nacional de Agroecologia (ENA) e em seguida, o indígena do Povo Xukuru de Ororubá, de Pesqueira-PE, Iran Xukuru, iniciou uma fala sobre a temática: Agricultura do Sagrado e a Cultura do Encantamento do Ororubá: reflexões práticas sobre o Bom Comer. Para Iran, “o Coletivo da Agricultura Xukuru vê a agricultura como um modo de vida. De acordo com ele, também chama-se “Agricultura do Sagrado” ou “Cultura do Encantamento” e ela está diretamente ligada à base cosmológica dos povos originários, tendo a natureza como elemento central. Dentro dessa cosmologia o ser humano é visto como parte da natureza, e essa natureza possibilita a morada, a essência do ser Xukuru de Ororubá. É mais espiríto do que matéria. Onde natureza e ser humano não se separam. O corpo é o alimento do sagrado. O alimento de verdade passa pelo respeito, compreensão e o diálogo.”
“O alimento de verdade passa pelo respeito, compreensão e o diálogo”
Após a potente e emocionante partilha de Iran Xukuru, que de certo modo, parecia abençoar aquele sábado ainda de manhã. Patrícia Brito e Nathalia Mesquita, cozinheiras responsáveis pela facilitação da vivência, iniciaram a condução das horas seguintes de trocas de saberes, práticas e técnicas. Inicialmente se apresentaram, cada uma, e partilharam a dinâmica e a metodologia pensada para o dia.
Patrícia Brito, também conhecida como Neném, é uma mulher periférica, neta de benzedeira e parteira. Trabalha com comunidades afro-brasileiras e indígenas e com banquetes públicos e também desenvolve pesquisas no campo do patrimônio imaterial e material. É chef de cozinha e uma das idealizadoras do Banquetaço do IV Encontro Nacional de Agroecologia (ENA), realizado em 2018 na cidade de Belo Horizonte. Desenvolve há muitos anos um longo processo de pesquisa e produção de refeições tendo as narrativas e as potencialidades da diversidade local como principal inspiração. Segundo ela, “é partir de uma investigação do que se come, por que se come, e como se come, que são sugeridas receitas, tradicionais ou não, o que dependerá das conversas provocadas nos encontros”. Nathalia Mesquita é uma mulher periférica, não negra, filha de uma sertaneja. Para Nathália ficar na terra é como criar raízes. “Falar de alimento é falar de memória”. É gastrônoma, técnica em agroecologia e também uma das idealizadoras do Banquetaço em Recife (2019). Nathália, tem atuado sobre a transformação da consciência do consumo e do beneficiamento, tendo como bússola a concepção da gastronomia enquanto cultura e arte, e suas diversas relações com a agroecologia.
“Falar de alimento é falar de memória”
Os ingredientes e as receitas escolhidas para serem preparadas durante a oficina, foram pensadas com base em alimentos africanos, afro-brasileiro e indígenas, a tríade: milho, mandioca e banana. Ao todo, foram quatro receitas preparadas: uma farofa, uma massa, um recheio e uma bebida. Que junto a outras receitas serão divulgadas em uma publicação digital, o livro de receitas:“Agricultura do encantamento – receitas e histórias da comida como identidade: olhares das juventudes sobre seus territórios”, que tem previsão de ser lançado em fevereiro de 2021.
Entre as mais de quatro horas compartilhadas, de forma remota, diversas partilhas de muitas histórias e memórias foram acessadas. Em cada canto do país, havia comida sendo preparada, o cheiro da banana-da-terra e do coco seco assando se misturava às histórias que iam sendo contadas. E como a arte e a cultura são os territórios simbólicos da agroecologia, houve ainda a participação de Helder Vasconcelos, músico, ator e dançarino que encantou o grupo presente com a magia do Cavalo-Marinho, um folguedo, misto de teatro, dança e música da Zona da Mata de Pernambuco.
Foi nesse cenário, que Luiza Cavalcante, mulher negra, agricultora e eco-feminista, do Sítio Ágatha, localizado no assentamento Chico Mendes I, em Tracunhaém – PE, foi convidada a fazer uma fala de encerramento do encontro. Iniciou agradecendo a oportunidade de tanta troca naquelas horas que passaram. Falou da alegria em ver tantas e tantos jovens ali, falando de comida de verdade, de memória, de identidade e disse: “A cozinha é recheada de nossa ancestralidade. E é com essa participação que podemos combater o sistema de violação dos direitos humanos, que violam nossos direitos como os agrotóxicos, a transgenia e a contaminação das águas. Nada melhor do que resgatar o nosso conhecimento, que vem de muito longe. Retomar nosso saber, que a gente possa plantar nossos temperos não só no campo, mas também nas cidades, nas periferias. Manter a folha alimenta nosso Ará e as folhas que alimentam o Ori.”
“A cozinha é recheada de nossa ancestralidade”
Comida pronta, mesa posta! Foi assim que, nesse cenário, saboreando receitas, escutando as palavras e os ensinamentos ancestrais – que abriam e encerravam esse dia – que o grupo se despediu. Havia sorrisos largos e lágrimas. Nas telas compartilhadas, imagens de mesas, família reunida, pratos cheios e coloridos de comida de verdade. Jovens e jovens de mais idade. Mulheres negras, indígenas, artistas, agricultoras e agricultores, sujeitos LGBTQI+ juntos, juntas e juntes – em um sábado de dezembro – alimentados de afeto. Da comida que é memória e que alimenta a identidade. Viva os sabores que pulsam nos territórios agroecológicos! Viva a comida de verdade!
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Nós, do Centro Sabiá, desde 1993 promovemos a agricultura familiar nos princípios da agroecologia. Nossa missão é "plantar mais vida para um mundo melhor, desenvolvendo a agricultura familiar agroecológica e a cidadania". Seu apoio através de uma doação permite a continuidade do programa Comida de Verdade Transforma e outras ações solidárias e inovadoras junto ao trabalho com crianças, jovens, mulheres e homens na agricultura familiar.