Intercâmbio Agroecológico: fortalecendo ações, territórios e redes
Encontro reuniu cerca de 20 jovens para promover trocas de experiências no Sertão pernambucano
Entre os dias 1 e 3 de setembro de 2021, aconteceu no município de Triunfo, em Pernambuco, o Intercâmbio Agroecológico: fortalecendo ações, territórios e redes. O encontro foi fruto do planejamento trienal (2019-2021) da Comissão de Jovens Multiplicadores e Multiplicadoras da Agroecologia e teve como principal objetivo promover a troca de informações, experiências e conhecimentos entre as e os jovens dos territórios para fortalecer a ação em rede num âmbito territorial.
A CJMA surgiu em 2005 e, nesses mais de 15 anos de história, conta com a assessoria do Centro de Desenvolvimento Agroecológico Sabiá (Centro Sabiá) e apoio da agência de cooperação Terre des Hommes Schweiz (TDH). Atualmente, há mais de 100 jovens envolvidos/as diretamente nas ações da CJMA, espalhados por todo o estado de Pernambuco. Em sua organicidade se dividem pelas regiões do estado (Zona da Mata Agreste e Sertão).
A pandemia impactou negativamente a vida de milhares de pessoas no mundo. Ainda são imensuráveis os impactos à vida das juventudes do campo e da cidade. Nesse sentido, cabe ressaltar que grande parte do grupo reunido, 18 pessoas, já estavam vacinadas e todas as medidas de segurança para evitar a proliferação do vírus da Covid-19 foram tomadas.
São jovens agricultores e agricultoras, técnicos/as em agroecologia, estudantes de diversas áreas que protagonizam uma diversidade de experiências em agroecologia nos seus territórios. Vindos e vindas dos municípios de Flores, Santa Cruz da Baixa Verde, Iguaraci e Carnaíba além de Triunfo, as e os jovens se reuniram na Pousada Stella Maris, um antigo convento das freiras Maristas, um casarão centenário e aconchegante. A programação proposta pelo Grupo Gestor da CJMA, que tem representantes de jovens da Zona da Mata, Agreste e Sertão e pela Assessoria do Sabiá, contou com atividades práticas, apresentação de ações realizadas, prestação de contas, planejamento de ações futuras, entre outras.
Vivência de Práticas Integrativas: é preciso se dar mais amor, mais afeto e mais alegria
“Mãe eu te sinto sobre os meus pés, o teu coração eu posso escutar. Mãe eu te sinto sobre os meus pés, o teu coração eu posso escutar.”
A primeira atividade da programação foi a Vivência de Práticas Integrativas, que tem o objetivo de causar um estado de tranquilidade, paz e escuta interior, que podem influenciar positivamente uma pessoa ou grupo em diversas áreas, como relacionamentos, saúde e prosperidade, por exemplo. Para Janaína Ferraz, assessora das juventudes do Centro Sabiá, terapeuta comunitária integrativa (TCI), consteladora sistêmica familiar e arte educadora, o objetivo principal desse momento é a gente poder olhar para as subjetividades dos seres, das juventudes como seres individuais. Trazer ferramentas terapêuticas como arteterapia, dança circular, auto toque, num movimento de cuidado, para colaborar com esse lado das emoções. A gente tem percebido, especialmente nesse contexto da pandemia, que muitas vezes esses jovens não têm espaço para falar dos seus sentimentos. Então garantir momentos de escuta tem sido uma estratégia em nosso fazer, acrescentou.
Inicialmente, cada jovem de olhos vendados foi recebido na porta do salão onde aconteceu a vivência com as boas vindas: “Que bom que você veio, que bom que você chegou. Que essas ervas possam te purificar e te livrar de todo mau”, uma benção, um leve banho de ervas que haviam sido colhidas mais cedo para aquele momento. Pouco a pouco, os aromas de capim santo, erva doce e alecrim, se misturavam e traziam intencionalidade para o ambiente. A vivência contou com vários momentos, música, poesia e questões geradoras de reflexão foram trazidas para o ambiente. Foi sugerido que os e as jovens escrevessem em papel cinco sentimentos que eles e elas desejassem transformar. Através do elemento fogo, elemento da transformação, um a um os papéis foram queimados virando cinzas que junto a outros materiais, lápis de cor, colagens e tintas, foram usados para responder outras questões: “O que realmente eu quero e escolho para a minha vida? Qual o querer que faz meu coração cantar de alegria?”.
A vivência durou cerca de duas horas, duas horas de escuta e partilha sincera, de olhar para dentro de si mas também de se ver e reconhecer no/a outro/a. Lágrimas, sorrisos escondidos por trás de máscaras e uma sensação profunda de acolhimento e pertencimento. Um convite para que a gente saiba buscar dentro de cada um/a a potência do que somos.
Nossas ações em rede: trocando sonhos e experiências
No segundo dia de encontro, ainda na parte da manhã, foi exibido o vídeo dos 15 anos da CJMA. Essa atividade deu início ao mergulho no rio de tantas histórias da Comissão. Em seguida, durante a Roda de Terapia Comunitária (TCI), foram feitas reflexões acerca das potencialidades e dificuldades do coletivo, a partir das inquietações e/ou incômodos que pudessem estar interferindo nas relações afetivas do grupo CJMA. O objetivo foi o da escuta, cada um dos e das jovens presentes puderam falar sobre como se percebiam naquele espaço.
Essa dinâmica permitiu que as e os jovens se ouvissem e reconhecessem a força e a potência presentes no grupo. Para Gabriel Venâncio, “quando a gente começa a compreender o que o outro sente, isso acaba ajudando a resolver outros problemas”. Embora existam desafios, é importante focar na fortaleza do que somos, do que nos une em nossas diferenças e ter ombros e ouvidos dispostos a nos apoiar e ouvir. Para Ceiça, jovem da comunidade Varzinha dos Quilombolas, município de Iguaraci, “sempre participei dos movimentos sociais e em certo momento me senti excluída. Foi na CJMA que me senti muito acolhida enquanto mulher jovem, negra e quilombola”.
“Estou balançando, mas não vou cair, mas não vou cair, mas não vou cair. Estou balançando na CJMA, estou balançando, mas não vou cair. Estou balançando, mas não vou cair, mas não vou cair, mas não vou cair. Estou balançando na CJMA, estou balançando, mas não vou cair”.
A manhã seguiu com a apresentação da experiência do Território de Aprendizagem (TA) de Pernambuco, uma ferramenta de gestão de conhecimento local que fortalece as habilidades e conhecimentos das comunidades rurais. Após a breve apresentação do TA PE, as e os jovens puderam refletir sobre a experiência e como impulsioná-la junto às ações da CJMA.
Ainda durante esse dia os e as participantes seguiram navegando nas memórias do fazer das juventudes, avaliando e sistematizando as ações coletivas e individuais desenvolvidas em seus territórios, bem como planejando as ações futuras.
É Festa de São João: para seguir aquecendo as nossas fogueiras
A arte, a cultura e a comunicação popular são elementos presentes no movimento das juventudes e fundamentais na construção do conhecimento em agroecologia. De forma crescente, o movimento agroecológico vem posicionando a comunicação e a cultura como territórios simbólicos de construção da agroecologia, chamando a atenção para o fato de que “os direitos à terra, à água, à produção estão diretamente ligados ao direito de se comunicar, de se manifestar, de se posicionar como sujeito” (ASA BRASIL, 2015, s/p.).
Nesse sentido e não por acaso, o grupo preparou um arraiá na última noite juntos/as. Com direito a canjica, bolo de milho, paçoca e outras comidas típicas do festejo popular de São João. Bandeirinhas coloridas, chitas e alegria enfeitaram o salão. E como em um bom arraiá não pode faltar música junina, a Quadrilha Arte Junina, de Santa Cruz da Baixa Verde, fez uma linda apresentação com um número reduzido de pessoas (seis), para seguir aquecendo as fogueiras internas e os corações com mensagens de fé, esperança e vacina para todos/as, coloriram ainda mais a celebração da vida, da luta e do movimento das juventudes agroecológicas.
Seu Antônio Queiroz, a agrofloresta e o Rio Pajeú: conhecendo experiências no chão do território
São mais de quarenta anos cuidando, protegendo e produzindo no Sítio Enjeitado, em Triunfo, Pernambuco. Seu Antônio Queiroz (70) e dona Raimunda já haviam começado cedo o trabalho na terra para receber uma parte do grupo da CJMA para atividade prática de instalar e montar um sistema de irrigação. A propriedade de seu Antônio faz parte do projeto Terras de Vidas e é beneficiária do sistema de reuso de águas cinzas associado a um sistema agroflorestal (RAC-SAF). Um segundo grupo fez a mesma vivência prática numa propriedade vizinha, de Arlete, no Sítio Carnaubinha.
O sol quente não desanimou o grupo, que rapidamente instalou o sistema e pôde contemplar a irrigação por gotejamento molhar a terra seca e arenosa. Há na propriedade outros sistemas agroflorestais implantados e produtivos. Grandes árvores nativas e frutíferas plantadas pelas mãos sabedoras de Seu Antônio, entornam e embelezam a paisagem à beira do Rio Pajeú. Sob as árvores o clima é outro, ameno, com uma brisa fresca e o sol sentido na área não implantada, já não incomoda.
“Todo ano eu plantava um pouquinho, quando cheguei aqui só tinha um pé de Pajeú. Eu saí plantando Aroeira, Ingazeira, Taboca, plantando tudo. Eu tentava cuidar da vazante do Rio, plantando capim também. Eu lembro na década de 60 quando teve a cheia do Pajeú, como meu pai costumava cortar a mata ciliar o rio foi assoreando. E entrando, comendo mais pro lado de cá”, comenta seu Antônio sobre o trabalho de reflorestamento da margem do Rio Pajeú que fica no seu terreno. “Os vizinhos por aqui me chamavam de doido, porque enquanto eu plantava para o rio, eles desmatavam. Depois de uns seis anos, quando eles foram perdendo as vazantes e eu não, eles começaram a entender que eu estava certo”, acrescentou.
“Eu gostei muito da atividade, já conhecia o sistema mas não conhecia o gotejamento. E o que eu achei muito legal e uma ação muito importante, que nos traz esperança para uma nova geração é o trabalho que ele (seu Antônio) vem fazendo de recuperação do Rio Pajeú. Ele falou que não vai parar, que vai fazer muita coisa ainda. E é muito gratificante ver pessoas que se preocupam com nosso planeta, que se preocupam em ter uma vida melhor. Eu achei muito graficamente o dia de hoje, na verdade todos esses dias que estamos juntos”, comentou Ana Cássia da comunidade de Barreiros, município de Carnaíba.
A atividade encerrou na cozinha de dona Raimunda, que durante toda a manhã esteve à frente do preparo dos alimentos servidos no almoço. Foi com o sabor e aroma do feijão plantado e colhido na terra pela família Queiroz, temperado por dona Raimunda, do cuscuz quentinho, da salada e da galinha de capoeira, que a CJMA Sertão se despediu. Renovados/as e nutridos/as de escuta, afeto, histórias, comida e cultura.
Para saber mais sobre a CJMA:
Assista o Vídeo – 15 anos da CJMA
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