A fé na defesa da vida e dos biomas brasileiros: Antônio Conselheiro, Padre Cícero e Padre Ibiapina
Antônio Conselheiro retratado em xilogravura / Reprodução: internet
por Artur Peregrino (antropólogo e integrante do Grupo de Peregrinos e Peregrinas do Nordeste)
A Campanha da fraternidade 2017 traz o tema: “Fraternidade: Biomas brasileiros e a defesa da vida”. E traz o lema: “Cultivar e guardar a criação” (Gn 2.15). O Espírito da Campanha da Fraternidade 2017 está em sintonia com a grande tradição nordestina de proteger a vida em todos os sentidos. Quem foi e o que fez Antônio Conselheiro, Padre Cícero e Padre Ibiapina? O que estas figuras históricas têm a nos dizer? Como eles viveram no bioma da Caatinga?
Padre Ibiapina nasceu em Sobral, no Ceará, em 1806, e morreu em Santa Fé, na Paraíba, em 1883. Dentro de tão vasto território nordestino o padre Ibiapina andou a pé ou a cavalo milhares e milhares de léguas. Para ele, a religião devia não somente preparar para a vida após a morte, mas criar melhores condições de vida, lutando contra o que se chama hoje o pecado social ou estrutural. Padre Ibiapina procurava mobilizar as energias latentes no povo para responder às necessidades mais urgentes. Seu poder convocatório estava na sua capacidade de ler a vida cotidiana do povo pobre do interior do Sertão. Fez inúmeros mutirões para fazer roçados.
Já Antônio Conselheiro foi conterrâneo do Padre Cícero do Juazeiro, ambos eram cearenses. Só que Antônio Conselheiro nasceu antes do Padre Cícero. O menino Antônio Vicente Mendes Maciel nasceu na pequena cidade de Quixeramobim, na então província do Ceará, a 13 de março de 1830 e morreu no povoado de Canudos em 1897. Na realidade, Antônio Conselheiro e Canudos eram uma resposta concreta à situação de injustiça no Sertão Nordestino. O Conselheiro encontrou na convivência com a Caatinga um jeito próprio de reinventar a vida. Dizia para as pessoas que cada uma deveria conservar sua posse de terra e ter uma vaquinha no quintal.
Cícero Romão Batista nasceu no Crato, Ceará, em 1844 e faleceu no Juazeiro do Norte no dia 20 de julho de 1934. Padre Cícero dizia que “cada casa deve ser um santuário, uma oficina e cada quintal, uma horta”. O povo consagrou padre Cícero porque ele antes entregou a sua vida aos pobres. Orientava em todos os sentidos da vida e mostrava caminhos. Acolhia e estava sempre junto. Talvez esse seja o segredo do padre Cícero. Desenvolveu a dimensão do estar presente. Por isso conhecia tão bem o bioma da Caatinga. Isso o possibilitou dar conselhos diversos. São conhecidos os preceitos ecológicos do padre Cícero: não derrubar o mato nem mesmo um só pé de pau; não tocar fogo no roçado nem na Caatinga; não caçar mais e deixar os bichos viverem; fazer uma cisterna etc.
Podemos dizer, sem sombra de dúvidas, que o padre Ibiapina foi o inspirador de Conselheiro e de Padre Cícero. Todos conviveram com o bioma da Caatinga, o único bioma com distribuição exclusivamente brasileira. Encontra-se envolvida pelo clima Semiárido, entre a estreita faixa da Mata Atlântica e o Cerrado.
Um outro exemplo de bioma bem nordestino: Mata Atlântica. É uma das áreas mais ricas em biodiversidade e mais ameaçadas do planeta. Sua vegetação nativa vem sendo destruída, restando uma pequena área para preservação das espécies. Reflitamos sobre uma hecatombe anunciada.
Em Pernambuco, acabamos de viver uma nova tragédia (maio de 2017) por causa das enchentes. Com as enchentes previsíveis tivemos 55 mil pessoas desabrigadas e desalojadas em 25 municípios da Zona da Mata Sul e Agreste. Além de algumas mortes que poderiam ter sido evitadas. É verdade que assistimos um verdadeiro mutirão da sociedade em relação a essa situação. Houve uma grande comoção na sociedade. Houve uma resposta rápida da sociedade, mas essa calamidade poderia ter sido evitada. Faltou prioridade política para encaminhar as ações que poderiam ter sido feitas para minimizar os efeitos das chuvas. O governo teve tempo e verbas para construir as barragens. O fato é que nos dias de hoje temos milhares de pessoas sofrendo por causa dessa irresponsabilidade, principalmente do governo do Estado, que foi negligente e omisso. Na realidade o que aconteceu não é, simplesmente, um dado da natureza, mas uma consequência social e política.
E quando vier as próximas enchentes? Na Mata Atlântica, por exemplo, o mais agredido de nossos biomas, é necessário preservar o que resta, se esforçar para reflorestar o que foi destruído, recuperar nascentes, insistir nos planos municipais de saneamento e assim por diante. É verdade que precisamos de uma verdadeira “conversão ecológica”. Daí a insistência de tantas campanhas sobre essa temática. Vivemos uma crise socioambiental, porque inclui os desafios sociais e ambientais.
Não podemos assistir de forma passiva à destruição dos ecossistemas existentes nos biomas, esse assunto deve estar na ordem do dia. Nós temos que ver as possibilidades da mudança urgente dos costumes, do padrão de consumo, do descarte do nosso lixo. Convido os leitores, para fazerem uma profunda reflexão que gere soluções individuais e/ou comunitárias/coletivas. Que os exemplos de Ibiapina, Antônio Conselheiro e padre Cícero nos inspirem!
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