Educação popular em saúde no combate à COVID-19
Foto: PH Reinaux
Educação popular em saúde no combate à COVID-19
Estudos da Fundação Oswaldo Cruz, a Fiocruz, mostram dados que comprovam o avanço da interiorização da Covid-19 em nosso estado. A capital pernambucana, que concentra 71% da doença no início do mês de abril, passou a responder apenas por 34% em junho, no último período observado da pesquisa. O inverso aconteceu com os demais municípios, que partiram de 29% em abril, e passaram a responder a 66% de todos os novos registros da doença no estado, em junho. Ainda segundo dados dessa pesquisa, dá para perceber a escalada do coronavírus no interior. Inicialmente, 4 de abril, eram 16 casos. O número passa para 487 no intervalo de 20 dias e alcançou 2444 em mais 20 dias. O último registro do estudo apontou o aumento para 7785. Para falar sobre isso, conversamos com a médica Paulette Albuquerque. Paulette é mestra e doutora em saúde pública pela Fundação Oswaldo Cruz. É também professora adjunta da Universidade de Pernambuco e pesquisadora da Ficocruz. Confira como foi essa prosa:
Centro Sabiá: Doutora, é normal que esse aumento de casos no interior aconteça com o coronavírus?
Paulette Albuquerque: O aumento de casos no interior era esperado, ele podia ter sido evitado com o fechamento de algumas áreas, como o fechamento da Região Metropolitana, que chegou a ser discutido no auge da pandemia, da epidemia aqui na Região Metropolitana do Recife, para que as pessoas não saíssem daqui para o interior e pudessem, assim, contaminar cidades ou muitas pessoas em algumas cidades do interior. Outra coisa é que esse movimento ele também poderia ter sido evitado com medidas educativas. A gente tem dito que a educação e saúde ela é a maior arma para o enfrentamento da pandemia, porque ela evita novos casos, não fica esperando que as pessoas fiquem doentes e graves para poder chegar numa UTI. Então, as medidas educativas e as medidas de vigilância poderiam ter minorado os efeitos da interiorização da pandemia. A vigilância seria a partir de pessoa que vem da Região Metropolitana, ela ficar em quarentena antes de entrar na cidade. Ou a partir de uma pessoa com sintomas, se deixar em quarentena as pessoas que tiveram contato com essa pessoa, de forma que a doença não fosse sendo propagada.
Centro Sabiá: E como a senhora observa esse fato quando olhamos para a nossa saúde pública? Será que no interior temos preparo e condições para receber essa crescente de pacientes infectados?
Paulette Albuquerque: Essa é a grande questão que deveria ter norteado os bloqueios das cidades, bloqueio de entrada e saída, os controles, para que não houvesse muitos casos nem houvesse caso grave. Porque a maioria das cidades do interior têm uma situação de rede de serviços de saúde bem mais simples. Muitas vezes ela também é precária, mas mesmo em condições ótimas do SUS numa cidade do interior, de pequeno porte, essa estrutura não tem como abarcar toda a complexidade de uma doença como a Covid. Isso faz com que os cidadãos daquela cidade precisem ser transferidos para uma cidade maior para ter acesso a um serviço especializado ou a UTI. Isso pode gerar mais complicações, atrasos no tratamento e mais óbitos. A gente tem uma das cidades do interior, Serra Talhada, com a mais alta relação de pessoas doentes por população. Isso provavelmente se dá pelo fato de Serra Talhada recolher, ser referência para muitos municípios de toda a região. E essa é realmente a função que está colocada para o sistema de saúde de Serra Talhada hoje. Hoje Pernambuco tem quatro cidades de referência, Petrolina, Serra Talhada, Caruaru e a Região Metropolitana. Isso concentra muito os equipamentos de maior complexidade para os cidadãos muitas vezes terem que se deslocar 300 ou até mais quilômetros em busca de um atendimento.
Centro Sabiá: Dra. Paulette, vemos que com o passar dos meses o cuidado para evitar o contágio da Covid-19 vai ficando mais e mais fraco, não é verdade? Você acha que é necessário que haja um reforço da população sobre o risco de infecção do coronavírus?
Paulette Albuquerque: Com certeza. A gente vem observando que as pessoas vão relaxando nos cuidados, porque o número de casos é menor, porque todo mundo diz que está melhorando. Então, é preciso sim ter um movimento, ter um reforço de todas as formas para se conseguir que todas as pessoas tenham cuidados redobrados, que elas mantenham o cuidado que tinham antes, no início da pandemia. E um desses processos que a gente está fazendo é dos agentes… da formação de agentes populares de saúde. E os agentes vão ensinar as pessoas como lavar as mãos adequadamente… que a gente quando diz “lave as mãos” não é para lavar as mãos igual com a gente lavava antes. É para a gente lavar com muito mais cuidado, esfregando todos os ladinhos da mão, na frente, atrás, dentre os dedos, no punho e nas unhas e assim por diante. Que tenha o cuidado de usar máscara, que use a máscara de uma forma adequada, que tenha o cuidado com os orifícios, que ficam na máscara, que não use a máscara na ponta do nariz, ou embaixo do queixo. Então, tudo isso tem que ser permanentemente reforçado. Porque eu sempre digo, do mesmo jeito que a gente precisa reforçar com as pessoas as medidas de higiene, como escovar os dentes, como lavar as mãos mesmo quando vai comer, quando sai do banheiro, a gente vai ter que continuar reforçando essas orientações em relação à Covid.
Centro Sabiá: A senhora acha que as ações tomadas pelo estado têm sido suficientes na informação e no combate ao coronavírus? O que falta?
Paulette Albuquerque: Eu tenho interpretado, tenho falado em eventos, lives, de que a posição de construir UTIs, de construir hospitais e da ênfase que foi dada em todo esse processo é uma posição de esperar as pessoas ficarem doentes, agravar para poder recebê-las no hospital. Foram feitas muitas atividades, muitas propagandas de informação na televisão, no rádio e em outros locais. No entanto, informação é diferente de educação em saúde. E mais diferente ainda do que a gente defende que é a educação popular em saúde. Então, comunicar não quer dizer que você vai ser entendido. Então, a gente precisa estar trabalhando principalmente com a população da periferia, das grandes cidades, do interior a compreensão do processo. Então, é preciso compreender como é a transmissão do vírus para que essas pessoas possam ter consciência de como se prevenir. Porque a gente está dando ordens. Eu digo que a gente deu várias ordens para as pessoas, a primeira ordem foi “fique em casa”. Depois veio a ordem de “use máscara”. Mas se eu não entendo por que é que eu vou ficar em casa eu termino descumprindo essa ordem. E a grande questão para a gente é não ser uma ordem, mas ser uma construção com aquela população que precisa estar envolvida na solução do problema. Por exemplo, temos trabalhado com os agentes populares de saúde em áreas onde a casa só tem um ambiente, só tem uma sala que serve de dormitório, que serve de cozinha, que nem banheiro tem, o banheiro é coletivo. Então, como essa pessoa vai ficar em casa com três, quatro filhos, com mais dois adultos e achar que isso é possível dentro da periferia. Então, a gente vai precisar adaptar esses conceitos, permitindo algum nível de isolamento, o máximo que for possível, mas contactando, tentando pactuar com essas comunidades, com essas pessoas a forma como isso vai ser feito.
Uma outra coisa é o isolamento das pessoas doentes. Se eu não tenho quarto, se minha casa só tem um vão, como é que eu vou isolar o doente? Então, a gente não diz, a gente não explica. Então, a gente saiu inventando, a gente está dizendo para isolar os doentes desenhando uma marca no chão da sala, deixando a pessoa ali isolada, dando dois metros de distância da cama ou do sofá onde o doente vai ficar descansando durante o dia ou colocando o mesmo para ele ficar do lado de fora da casa, quando for possível. Então, a gente saiu costurando. Por exemplo, a falta d’água que é outro grande problema. Então, a gente precisa estar atento que é necessário que a Compesa aumente a oferta de água, que tenha menos dias sem água. E isso é uma ação extremamente importante de enfrentamento da pandemia e que isso também não foi feito. Todo o quadro de agentes comunitários de saúde foi subdimensionado, foi colocado para trabalhar remoto, para trabalhar em casa, com situações em que poderiam haver ações educativas, envolvendo também o agente comunitário e conseguindo que a contaminação, que o contágio fosse reduzido.
Centro Sabiá: Hoje não é difícil sair na rua e ver muita gente sem máscara, fazendo aglomeração e se comportando como se a pandemia tivesse acabado. Se você pudesse falar alguma coisa para essas pessoas, o que você diria?
Paulette Albuquerque: Eu diria que a morte pela Covid é uma morte muito triste. A gente… meu pai dizia… “como era ruim você morrer sem ar no seco”. Era como se você tivesse querendo respirar e você não encontra o ar. E essa sensação a gente não quer para ninguém. E que as pessoas precisam estar atentas que no momento em que elas não estão se cuidando, elas não estão prejudicando só elas. Elas estão prejudicando a mãe, o pai, a tia, o filho, um amigo. Então, é todo um conjunto de pessoas que podem estar sendo contaminadas porque você não quis usar máscara, porque você não quis fazer a distância regulamentar. Então, é preciso realmente investir na compreensão e no aumento da consciência dessas pessoas quanto às medidas preventivas.
Centro Sabiá: O que gostaria de deixar de mensagem aos nossos leitores?
Paulette Albuquerque: Bem, a minha consideração final é um convite para que todos os ouvintes possam estar conhecendo o projeto dos agentes populares de saúde, onde a gente faz uma formação com pessoas voluntárias em cada bairro, que possam estar trabalhando de casa em casa no enfrentamento da Covid com ações educativas. Então, é bem importante, o nosso site é www.campanhamaossolidarias.org. E nós estamos já com mais de 60 turmas, as turmas são presenciais, com no máximo dez pessoas, num ambiente amplo para evitar a aproximação de uma pessoa da outra, com todos os cuidados, e de forma a que a gente possa estar garantindo que o agente popular ele já saia do primeiro momento com a capacidade de fazer uma atividade educativa de sua comunidade, na rua, no aglomerado de pessoas, num ponto de ônibus, numa fila de supermercado e assim por diante. Esse processo tem sido muito interessante e tem propiciado a gente se aproximar das comunidades numa perspectiva de organização social e puxar as associações de moradores, envolver todo mundo dentro de um processo que devia ser naturalmente já com esse envolvimento. Então, queria convidar todo mundo a conhecer o projeto e quem quiser estar entrando em contato para que a gente possa montar as turmas, fazer os primeiros contatos, as orientações e assim por diante.
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