Dona Severina Otília – as Cisternas como instrumentos de luta por direitos
A partir desta Edição n’O Canto do Sabiá, você vai acompanhar algumas histórias de vida que contam mudanças significativas nas vida de pessoas que tiveram a alegria de acessar políticas como as de cisternas de placas e de produção. Acompanhe a série Águas e mudança de vida
Por Eduardo Amorim (Centro Sabiá)
Dona Severina Otília mudou sua vida. Integrante da Escola Feminista, realizada em parceria pelo Movimento da Mulher Trabalhadora Rural do Nordeste (MMTR) e Centro Sabiá, ela virou referência entre as mulheres que participam das atividades da formação. Sua história de luta por direitos, entretanto, começou antes do projeto, que chega a um ponto de culminância no dia 8 de março, quando haverá um ato público para marcar o Dia Internacional da Mulher, no Marco Zero de Caruaru, no Agreste de Pernambuco.
Moradora do Sítio Riacho do Boi, em Cumaru, da mesma região do estado, dona Severina conta que a mudança na vida dela começou ainda com a primeira cisterna recebida pelo Programa Um Milhão de Cisternas (P1MC), da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA Brasil). Antes da cisterna, muitas vezes sua família precisou utilizar água de um barreiro, onde muitos animais tomam banho e a água não é limpa. Ao conquistar a cisterna, ela também se inseriu nos cursos de formação de uso adequado das águas de beber e para produção.
O caso de Dona Severina Otília não é uma situação isolada. Coordenadora do Projeto de Assessoria Técnica e Extensão Rural do Centro Sabiá no Agreste, Julianna Peixoto, explica que os técnicos percebem no campo o protagonismo de muitas mulheres. Como Dona Severina Otília, ela participou da Escola Feminista e demonstra muita empolgação para falar do projeto, deixando claro que antes elas se identificavam como mulheres, técnicas, agricultoras e hoje são também mulheres feministas.
Dona Severina ao lado de sua cisterna de água para beber / Foto: Sara Brito
As cisternas representaram um início muito prático na luta por direitos da família de Dona Severina. “Eu não bebo água de barreiro nem que me matem, agora”, comemora a agricultora. Mas as construções sozinhas não seriam suficientes para fazer grande parte das mudanças que foram acontecendo no sítio Riacho do Boi.
A primeira cisterna tornou a vida prática mais digna, com água de qualidade para todos beberem e diminuiu o esforço da dona da casa, que muitas vezes era quem tinha de ir buscar água. A segunda deu condições de planejar mais a produção e também representou um marco da condição de Severina, de igualdade no cotidiano de divisão de tarefas do campo e da casa com o seu marido, que acabou percebendo a decisão acertada da sua esposa ao solicitar a construção da cisterna de produção, que ficou em um local onde ele tinha plantado palma.
O protagonismo de Dona Severina Otília, no entanto, continua no artesanato que ela realiza, na produção agrícola e na sua vida como um todo. O medo de tomar uma decisão como a da construção da cisterna já é passado e hoje ela já é referência das colegas da Escola Feminista. “Teve mulheres que apanhavam dos maridos e depois dessa capacitação já tiveram força para relatar e pedir ajuda”, diz, com sua simplicidade.
A Escola Feminista foi fundamental para ela perceber uma série de questões que muitas vezes não são discutidas dentro das nossas casas, como a divisão de trabalho entre os homens e as mulheres. Mas a garantia de água para beber e produzir certamente deu bases para muitas das conquistas e sorrisos que hoje são fartos no sítio Riacho do Boi.
Recentemente, Dona Otíília participou de intercâmbio com grupo do Maranhão Foto: Eduardo Amorim (Acervo Centro Sabiá)
Conheça mais dessa história de mudança de vida:
Água para beber e tomar banho
“Depois que veio a (primeira) cisterna meu Deus do Céu! Ninguém quer beber outra água. Às vezes uma menina diz que vai tirar um balde para tomar banho daqui (apontando para a cisterna que fica próximo à sua casa) porque a do calçadão está longe, mas eu digo: – ´eu vou buscar no calçadão´, porque essa é só para beber e cozinhar.”
Encontro e uma nova fonte de renda
“Durante as capacitações das cisternas de produção (Gapa – Gestão de Água para Produção de Alimentos e Sisma – Sistema de Manejo Simplificado de Água para Produção) chegou uma pessoa que já sabia fazer artesanato. Eu disse a Dona Maria José que já sabia fazer alguma coisa também e fizemos um grupo para aprender mais e hoje eu faço e vendo para fora capas de almofadas, cachecóis, roupas de bonecas e vestidos para crianças.”
Empoderamento
“Quando o pessoal do Centro Sabiá veio uma das vezes para instalar a cisterna de produção o meu marido falou que não queria, porque não queria perder um plantio de palma que ele tinha lá no canteiro. Mas tinha um sobrinho que falou que eu queria. E eu tive de marcar um dia para a obra sem avisá-lo e quando meu esposo chegou da roça a máquina já estava fazendo o serviço”, conta ela orgulhosa, deixando claro que depois que choveu ele começou a achar a cisterna construída uma “coisa linda”.
Escola Feminista
“Tanto eu como minhas colegas aprendemos muitas coisas boas e a formação vai terminar em março, com a caminhada no Dia Internacional da Mulher e vamos sentir falta. Agora em casa eu sei aproveitar mais meu tempo. Faço café, aguo as plantas, vou para o croch:ê e o marido tem que aprender a ajudar também nas tarefas de casa…”
Planos para o futuro
“O ano passado plantei um feijão pardo, coentro, alface e quiabo. E esse, ano com as chuvas, estou esperando meu filho chegar do Recife e vou fazer a mesma coisa. Eu e meu marido não estamos mais em idade para trabalhar tanto assim no campo, mas se eu tivesse condições iria investir mais na plantação de verduras e de frutas. “
Que bom ter você por aqui…
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