Vivências e atividades práticas temperam a metodologia dos encontros da Comissão de Jovens Multiplicadores/as da Agroecologia – CJMA
Giuseppe Bandeira e Janaina Ferraz, assessora das Juventudes do Centro Sabiá
A educação popular, do campo, comunitária ou libertadora é práxis na construção da agroecologia, tempero nas práticas e iniciativas que nutrem o movimento agroecológico no Brasil. Assim como a cultura popular e a comunicação popular são elementos, princípios fundantes da construção do conhecimento agroecológico. Como aponta a Coletiva de Comunicação da ANA na publicação Redes de Agroecologia para o Desenvolvimento dos Territórios: Aprendizados do Programa Ecoforte, organizada por Schmitt et al. (2020), enquanto ciência, prática e movimento, a agroecologia representa um campo sistêmico que abarca dimensões visíveis e concretas e dimensões invisíveis e sutis. Um campo no qual a comunicação e a cultura são elementos primordiais que conferem o elo de sustentação de uma enorme diversidade de sujeitos sociais, territórios, identidades, saberes e práticas que convergem em um projeto de desenvolvimento inclusivo, justo e democrático.
É nesse caldeirão de princípios, modos de vida, cultura popular e metodologias participativas que o movimento agroecológico vem apostando, nas trocas e nos intercâmbios entre experiências e sujeitos/as para ampliar e promover a agroecologia como relação e transformação de mundo. Nesse sentido, nos ambientes e ações construídas pelos grupos, coletivos, organizações e movimentos sociais do campo da agroecologia, as vivências práticas vem ganhando cada vez mais espaço. Tem sido assim para a Comissão de Jovens Multiplicadores e Multiplicadoras da Agroecologia (CJMA), que no ano passado completou 15 anos de atuação no Estado de Pernambuco. A CJMA surgiu em 2005 e, nesses mais de 15 anos de história, conta com a assessoria do Centro de Desenvolvimento Agroecológico Sabiá (Centro Sabiá) e apoio da Agência de Cooperação Suíça Terre des Hommes Schweiz. Atualmente, há mais de 100 jovens envolvidos/as diretamente nas ações da Comissão, distribuídos/as e organizados pelas regiões da Zona da Mata, Agreste e Sertão do estado.
No último dia 22 de setembro, como parte da programação do encontro Intercâmbio Agroecológico: fortalecendo ações, territórios e redes, reunião da CJMA Agreste. Cerca de 20 jovens estiveram presentes em uma atividade prática no município de Cumaru, Pernambuco. O encontro foi fruto do planejamento trienal (2019-2021) da Comissão e teve como principal objetivo promover a troca de informações, experiências e conhecimentos entre as e os jovens dos territórios para fortalecer a ação em rede num âmbito territorial. Para Nicléia Ningueira, Técnica de Campo do Centro Sabiá, a realização das atividades práticas tem um papel importante para as juventudes, por possibilitarem colocar os aprendizados no fazer cotidiano, além de serem espaços para troca de experiências e oportunizar que os e as participantes conheçam outras histórias e modos de vida, conhecimentos, saberes e tecnologias que podem ser adaptadas a sua realidade e multiplicadas em seu território.
Os e as jovens vivenciaram práticas de estoque e conservação de forragem, de produção de farelo de palma e de milho hidropônico, ambas utilizadas na alimentação animal de ovinos, caprinos e suínos. Uma das propriedades visitadas foi o Sítio Jurema de Baixo, experiência protagonizada por Dona Ivoneide Josefa, de 53 anos. “Eu cheguei nesta terra faz 33 anos, só que quando eu cheguei não era assim, era muito diferente, as coisas eram mais difíceis. Com a chegada do projeto Dom Helder Câmara e da assessoria técnica do Centro Sabiá, em 2011, eu tenho conseguido transformar esse espaço. Primeiro vieram as cisternas e o acompanhamento técnico, depois foram chegando outras tecnologias como os Sistemas Agroflorestais e também participei de muitos processos de formação, de reuniões e dos intercâmbios”, comentou Dona Ivoneide.
“Sempre que eu venho aqui, no SAF, eu levo uma coisinha para casa. Hortaliça, feijão, fava, jerimum, milho e melancia, a maioria eu tiro daqui.”
De assessorada, a família passou a assessorar e é um dos talentos mapeados que integram a empresa Território de Aprendizagem do Agreste de Pernambuco (TA). Trata-se de uma ferramenta de gestão de conhecimentos, com o mapeamento e participação de talentos locais para produzir conhecimentos e gerar benefícios econômicos, socioambientais e culturais para as famílias e comunidades envolvidas. Os jovens que integram o TA são os responsáveis por organizar as visitas técnico-pedagógicas e intercâmbios nas propriedades dos talentos. Atualmente, no Brasil, a experiência acontece nos estados de Pernambuco, Bahia, Piauí e Paraíba e é realizada pelo Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA), através do Programa Semear Internacional, e da Corporación Procasur.
Para Mônica (22 anos), filha de Dona Ivoneide e integrante da CJMA, receber os intercambistas em sua propriedade além de necessário é muito importante, pois é no meio de culturas e saberes diferentes que surgem mais ideias, mais conhecimento e mais diversidade de saberes. “Os jovens são muito espertos e energéticos, junta isso e dá uma explosão de ações, sem contar que é estratégico que o jovem conheça a história de outro, para que ele possa enxergar que outras pessoas compartilham dos mesmos desafios, das mesmas alegrias e, nos momentos de diálogos podem surgir soluções para tais dificuldades”, afirmou Mônica.
O reconhecimento da urgência de um novo modelo educacional para a formação de jovens, de estudantes da cidade como das áreas rurais, têm sido cruciais para atender às reais necessidades da população do campo, seu modo de vida e o direito a ter acesso ao saber, sobretudo da população jovem. Nessa perspectiva, a agroecologia propõe um questionamento radical à hierarquização dos saberes. Como apontado por Laeticia Jalil (2021), “todo conhecimento é de ordem distinta de saberes, todo ele tem valor e é fundamental para a vida. Todo conhecimento, seja acadêmico ou empírico, seja das práticas cotidianas ou científico-tecnicista é vivenciado nos corpos e nos sentidos mais tênues de nós mulheres. Todos eles são indispensáveis para a reprodução da vida”.
Do Território Indígena Xukuru do Ororubá, da Aldeia Cana Brava, localizado na cidade de Pesqueira, em Pernambuco. Para o jovem agricultor de 24 anos, Gleison Xukuru, “essas trocas de experiências nas atividades práticas nos faz refletir e ter um sentimento de valorização. Quando a gente é recebido por uma família que abre o espaço da sua casa, a gente sente aquela alegria e agradece pela oportunidade de conhecer outras histórias e realidades. Nesta visita, por exemplo, eles nos falam que a maior dificuldade é a – escassez da – água, aí eu olho pro meu território e lá a gente tem olhos d’água, temos água de nascente. Então, conhecendo esses lugares onde tem emoção e esperança, passamos a valorizar ainda mais os nossos espaços e entendemos que tudo é possível e pode ser transformado”, explicou Gleison.
“A gente aprendeu a produzir farelo de palma para alimentação animal. Eu nunca tinha feito e nem tinha conhecimento de que dava para usar assim.”
As juventudes da Comissão de Jovens Multiplicadores e Multiplicadoras da Agroecologia, seguem organizadas, afirmando e reconhecendo a importância das trocas, dos diálogos e das convergências para a construção dos conhecimentos e autonomia dos povos. E reafirmando o compromisso em fortalecer o papel das práticas agroecológicas como símbolos de resistência e instrumentos pela defesa dos territórios, dos povos e comunidades tradicionais.
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