Do campo à mesa: o que mudou desde 1990 na cultura alimentar das famílias agricultoras de Cumaru?

Por Darliton Silva
Comunicador do Centro Sabiá e da Rede ATER Nordeste de Agroecologia

Foto: Darliton Silva | Arquivo Centro Sabiá e Rede ATER Nordeste de Agroecologia

Entre os dias 26 e 27 de maio, a cidade de Cumaru recebeu a Oficina de Abastecimento Alimentar e Políticas Públicas realizada pelo Centro Sabiá. O evento aconteceu no Centro de Convivência de Idosos do município.

Uma reflexão coletiva reuniu quase 40 agricultoras agroecológicas para debater mudanças no consumo alimentar nas comunidades rurais desde a década de 1990 até os dias atuais.

Os debates aconteceram a partir das seguintes perguntas: Como era a alimentação nas comunidades em 1990? O que mudou até 2025? Como evoluíram os mercados de alimentos locais? Quais são as políticas públicas que impactam essas transformações?

A atividade também contou com a presença da artista Luiza Morgado, que ilustrou em tempo real as discussões da oficina. O material vai ajudar as famílias agricultoras a identificar as mudanças nos padrões de consumo alimentar.

Foto: Darliton Silva | Arquivo Centro Sabiá e Rede ATER Nordeste de Agroecologia

Segundo a agricultora Isabel Maria Barbosa, em 1990 tudo era simples e difícil, mas ainda se contava com leite de cabra, peixe, feijão, fava e milho. Já em 2025, a vida melhorou, graças às políticas públicas que trouxeram mais renda. “Tem também o benefício social, que ajuda. Com isso, a gente consegue comprar o que antes não podia, como a carne e o queijo”, contou.

Muita coisa mudou de 1990 até os dias atuais. Políticas públicas voltadas para o acesso à água, crédito e programas de transferência de renda transformaram significativamente a vida de milhares de pessoas no Semiárido.

Atualmente, com a expansão dos grandes supermercados nos municípios do Agreste pernambucano, um dos principais desafios enfrentados pelas famílias agricultoras de Cumaru é manter uma alimentação saudável e adequada. Embora ainda consumam parte do que produzem, uma parcela significativa dos alimentos que chegam às mesas dessas famílias vem dos grandes conglomerados varejistas, e  muitas vezes, são produtos ultraprocessados.

Para Juliana Peixoto, coordenadora territorial do Centro Sabiá, as políticas públicas e o acesso aos mercados locais desempenham papel central nessas transformações. “Mudanças nos hábitos alimentares estão ligadas ao acesso à renda, à cultura e à disponibilidade de alimentos no território”, afirmou Juliana.

Foto: Darliton Silva | Arquivo Centro Sabiá e Rede ATER Nordeste de Agroecologia

O que são produtos ultraprocessados?

Guia Alimentar para a População Brasileira considera alimentos ultraprocessados como formulações industriais feitas de substâncias extraídas de alimentos. São eles os óleos, gorduras, açúcar, amido, proteínas – ou derivadas de constituintes de alimentos, ou sintetizadas em laboratório com base em matérias orgânicas, como o petróleo, carvão, corantes, aromatizantes, realçadores de sabor, etc. Diante dessa definição podemos considerar que na realidade os ultraprocessados são produtos e não alimentos, como em geral são comercializados. (Ministério da Saúde, 2006).

Atlas da Situação Alimentar e Nutricional de Pernambuco mostra que, em 2019, 52% das crianças de 6 a 23 meses de idade já consumiam ultraprocessados. Para que se tenha uma ideia, o Guia Alimentar para Crianças Menores de Dois Anos, do Ministério da Saúde, recomenda que nenhum produto desse tipo seja consumido nessa etapa da vida.

De acordo com a nutricionista, doutora em nutrição e professora aposentada da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Sônica Lucena, é fundamental que a população tenha conhecimento sobre alimentação adequada e saudável, especialmente durante a infância, fase crucial para a formação de hábitos alimentares.

“O Guia Alimentar para a População Brasileira está disponível para todos e oferece informações claras e práticas sobre como manter uma alimentação saudável, respeitando as condições e realidades de cada pessoa”, afirma Sônica.

A nutricionista destaca ainda que o guia incentiva o consumo da “comida de verdade”, ou seja, alimentos naturais ou minimamente processados, de preferência que seja da agricultura familiar, com base agroecológica e sustentável, livre de agrotóxicos e valorizando a produção local e os circuitos curtos de comercialização.

Foto: Darliton Silva | Arquivo Centro Sabiá e Rede ATER Nordeste de Agroecologia

Além disso, o material recomenda a preparação de refeições em casa, servidas em ambiente familiar, com prioridade para alimentos frescos como frutas, verduras e legumes.

Martilene Iraci, agricultora do município de Cumaru, que também participou da Oficina de Abastecimento Alimentar e Políticas Públicas, fala que é fundamental conscientizar tanto as crianças quanto os adultos sobre a importância de uma alimentação adequada. “Minha filha, por exemplo, ama levar melão todos os dias para a escola”, conta.

Ela comenta também que busca orientar outras mães a evitarem colocar refrigerantes no lanche das crianças, incentivando, em vez disso, o uso de frutas. “O objetivo é estimular os nossos filhos a crescerem com hábitos alimentares mais saudáveis”, destaca, Martilene.

O que diz o poder público?

“A Prefeitura de Cumaru mantém um compromisso sólido com o fortalecimento da agricultura familiar, oferecendo apoio direto aos agricultores e agricultoras em diversas frentes. Entre as ações desenvolvidas, destacam-se a preparação do solo para o plantio, a emissão do Cadastro Ambiental Rural (CAR) e do Cadastro Nacional da Agricultura Familiar (CAF), além da adesão ao programa Garantia-Safra. Essas iniciativas integram um conjunto de políticas públicas voltadas para o desenvolvimento sustentável do campo e a valorização da produção local”, afirmou o secretário de agricultura do município, Rogério Jerônimo.

Questionado sobre como as famílias agricultoras podem comercializar seus produtos por meio de compras institucionais, o secretário destacou que a principal política pública adotada pelo município para promover essa comercialização é a emissão do Cadastro Nacional da Agricultura Familiar (CAF). “Com esse registro, os agricultores e agricultoras têm acesso facilitado a programas de compras públicas, como o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), além de outras oportunidades em mercados institucionais e circuitos curtos de comercialização”, afirmou Rogério.

Ainda segundo o secretário, a Prefeitura de Cumaru realiza aquisições de alimentos da agricultura familiar por meio do PNAE. “Isso garante que os produtos cultivados por agricultores locais cheguem às escolas do município, fortalecendo a economia e promovendo uma alimentação saudável e adequada para as crianças e adolescentes”, pontuou Jerônimo.

Projeto Cultivando Futuros

O projeto Cultivando Futuros é uma realização da AS-PTA, Pão para o mundo (Brot fur de Welt) e Rede ATER Nordeste de Agroecologia; com financiamento do Ministério Federal da Alimentação e da Agricultura da Alemanha (BMEL, na sigla em alemão). Através da Rede ATER Nordeste de Agroecologia, o Cultivando Futuros está sendo realizado nos estados da Bahia, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe.

A iniciativa é, por essência, uma ação de incidência política com intenção de transformar os sistemas alimentares no Brasil, mas também na Alemanha, a partir do intercâmbio de conhecimentos entre os dois países. Trata-se de uma experiência de cooperação internacional que demonstra como as soluções locais podem contribuir para o enfrentamento dos desafios globais.

“Este projeto permitiu que a equipe técnica do Centro Sabiá, juntamente com as famílias, em especial as mulheres, analisasse a trajetória – destacando os avanços e desafios em questões como os sistemas alimentares, o acesso à políticas públicas, à comercialização dos produtos da agricultura familiar e a segurança alimentar e nutricional das famílias. Também foram resgatados hábitos alimentares do passado e reconhecidos os impactos da grande indústria de produtos alimentícios na vida das pessoas. Destaca-se, ainda, o diálogo sobre esses temas com o poder público do município de Cumaru”, pontuou Aniérica Almeida, coordenadora técnico pedagógica do Centro Sabiá.

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